15 de junho de 2009

CAMANGAS E AMAGADAS


Nei Duclós

Camanga todo mundo que nasce entre o rio Ibicuí e o Uruguai sabe: é quando o mocinho consegue amagar os bandidos. Vou dar um exemplo clássico do Gene Autry. Todos nós acreditamos que o grande cowboy cantor tinha enfim se estrepado. Ele estava tocando seu banjo ou guitarra na cadeira de balanço na varanda. Os malfeitores vieram pelas costas e atiraram nele várias vezes. Deu então “episódio”, ou seja, o curta metragem acabou, apareceu a chamada “cenas do próximo episódio” e só iríamos saber o destino do herói no domingo seguinte. Ninguém apostava mais um vintém furado nele.

Quando chegou o dia da sessão esclarecedora, ficamos sabendo de tudo. O esperto Gene Autry tinha colocado um boneco com um violão atravessado no peito, um chapéu largo na cabeça, e cantava como um ventríloquo, a distância, para tornar convincente sua artimanha. E como a cadeira de balanço se movimentava, dando impressão da mais completa entrega aos prazeres da arte country naquele momento supremo do entardecer no deserto? Simples, nosso mocinho puxava uma corda e fazia o troço ficar tão parecido com a realidade que chegou até a amagar a nós, vivarachos espectadores das matinês.

Baita camanga, a mais bem bolada de toda a história dos faroestes z. Tremenda amagada, pois a corja tinha descarregado seus revólveres e ficaram à mercê de Gene Autry no segundo seguinte, para delírio de nossas palmas e pontapés nas cadeiras desferidos de forma sincopada, fazendo tremer o cine Corbacho (ou seria o Carlos Gomes?). Foi assim que, como os leõzinhos na savana, treinávamos para a vida adulta. Ficamos especialistas em camangas, mas o mistério é que só levamos amagadas.

Vejam o caso do José Sarney. Na hora em que ele se queimou no Maranhão, amagou os eleitores do Amapá e se reelegeu para sempre senador da República. Baita camanga essa de trocar o domicílio eleitoral. Depois, foi fácil: simplesmente distribuir santinhos ao lado do pobre do Papa e posar de grande estadista da redemocratização, quando não passou de fundador da ditadura civil. O Brasil amaga até o Papa. Não há camanga do Vaticano, nem da Máfia, que dê conta. Aliás, como notou Mino Carta, o único lugar onde a máfia siciliana se dá mal é no Brasil, porque aqui a máfia local não suporta concorrência.

Outra tremenda camanga é a que amagou o Noblat na edição de hoje do seu festejado blog. Noblat invoca o exemplo dos japoneses que, pegos em flagrante de corrupção, acabam lavando a honra com o suicídio. Akira Kurosawa já provou, no seu filme de 1960, The Bad Sleep Well, comentado aqui, que a máfia japonesa obriga os executivos e as autoridades, que são desmascarados, a se suicidar. Portanto, não há nenhum mérito no ato extremo. É puro assassinato. Os japas amagam todo mundo com suas camangas.

Mas a maior camanga de todas foi a do tucano-petismo. O tucanato surgiu como ordem moral contra a podridão do PMDB e acabou entregando o país de mão beijada, em troca de algumas propinas e títulos universitários. O petismo não quer sair mais do poder e já está pensando naquilo que condenava em Getúlio, o continuísmo. Ambos enfeixaram a indignação popular contra a ditadura e se transformaram em agentes da ditadura. Foi uma camanga eleitoreira, a maior amagada da história mundial. Claro que eles foram mais sofisticados do que o Collor, que fez sumir o dinheiro da conta corrente e da poupança – depois, claro, integralmente devolvido (!).

A verdade é que todos esses camangosos nos amagaram de verde e amarelo. E hoje sentimos saudades do tempo do faroeste. Pelo menos os mocinhos venciam no final.

RETORNO - 1. Imagem desta edição: Gene Autry. Atenção: pronuncia-se autri mesmo, de au-au, e com tri de Petry, Gessy. E não "ôutryi", com cuspidinhas gringas no final. Depois de pronunciar corretamente Gene (de gêne mesmo, nada de "giini") Autry, puxe as calças e dê uma fungada feia. É para prevenir: vai que algum engraçadinho ache estranho um cow-boy tocador de violão. 2. Este post me foi inspirado pelo comentário do uruguaianense Flavio Lago, que resuscitou o verbo amagar, de uso corrente nos anos 50.

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