24 de junho de 2009

PORQUE MORREM OS JORNAIS


Nei Duclós

Há duas espécies, ou grupos, de motivos. Primeiro, causas externas. Golpe de 1964, por exemplo, que fechou o Correio da Manhã, do Rio, e a Última Hora, de Porto Alegre. O Correio sumiu de vez. Ferida de morte, a cadeia de jornais Última Hora de Samuel Wainer mudou de mãos e foi morrendo aos poucos, num longo processo de desmoralização e desgaste. Outro motivo externo: mudança de paradigma. Quando chegou o off-set, só quem tinha cacife para sair da impressão a chumbo sobreviveu. Hoje, com a tecnologia digital, a saída tem sido migrar para o mundo virtual e fechar as portas da versão tradicional.

Mas existem as causas internas: má gestão, que vem de mãos dadas com a empáfia, a soberba, a auto-suficiência. É o que vimos na Gazeta Mercantil, um patrimônio de quase um século que se estiolou nas mãos de um herdeiro, que preferia viajar de jatinho para suas fazendas, inchar o quadro de funcionários, dar saltos no escuro em projetos furados. Não quis acompanhar o jornal nas suas dificuldades diárias e preservá-lo, lutar pela sua sobrevivência. Muitos herdeiros não têm qualquer ligação afetiva com a herança e acabam numa espécie de vingança contra os pais, destruindo o que ganharam de mão beijada.

Jornal é uma criatura. Nasce, vive e pode morrer. Não é a galinha dos ovos de ouro. Vejam o que aconteceu com a grande cadeia dos Diários Associados. Era poderosa e parecia eterna. Bastou morrer o fundador, Assis Chateaubriand, para que os herdeiros, um grupo de mais de 20 funcionários que viraram donos, jogassem tudo por água abaixo. Cada novo proprietário era um Assis em miniatura. Ou melhor, a miniatura da imagem que faziam de Chateau, que era considerado porra louco metido a besta, mas era um empreendedor ousado e competente, tanto é que conseguiu montar um império. Imitar os defeitos e não as qualidades do fundador é a receita mortal para o fracasso.

A certeza de que tudo sai no suor e existirá para sempre normalmente acaba comprometendo a credibilidade do jornal. Pois, como sabemos, o mercado não é garantia de nada, e se não for tratado à altura ele mata. A solução é abraçar-se com os poderes e isso foi decisivo em grande empresas como a da Manchete, que morreu agarrada à ditadura de 64. Ninguém vai ler veículos comprometidos, ainda mais com a direita. A soberba também pode ser fatal para jornais menores, mas sólidos, como aconteceu aqui em Florianópolis com velho O Estado, fundado em 1915 e que morreu há dois anos.

A comunidade jornalística está chocada com o abandono do acervo de O Estado, que nos anos 70 (quando trabalhei lá) e 80 era o mais importante de Santa Catarina. O arquivo fotográfico no chão, esparramado, as máquinas enferrujando, abandonadas, papéis por todo o lado, móveis detonados empilhados, tudo isso faz parte das ruínas da sede situada na estrada SC-401, a que liga o norte da ilha, onde moro, ao centro da cidade. Mas a morte era sabida com antecedência. Foi um problema de má-gestão.

A empresa simplesmente ignorou os avisos e, mesmo tentando mudar, não mudou de fato, deixando-se engolir por uma empresa maior, a RBS, gaúcha, que montou o Diário Catarinense em 1986 e levou os melhores colaboradores. O Estado não teve condições de peitar essa concorrência, mas fechou-se em copas, insistindo em velhos paradigmas, formatados em realidades ultrapassadas. Finou-se aos poucos, num processo lento e doloroso. Hoje há lamentação geral, mas os jornalistas sabem que era inútil tentar salvar O Estado, já que a direção era impermeável, não estava determinada de fato de abrir mão de suas idiossincrasias.

Não tenho detalhes sobre o que realmente houve, mas no plano geral foi isso. Era preciso deixar de lado a auto-suficiência, reconhecer que estava em desvantagem, que os anos dourados tinham passado. Estabelecer parcerias, dar condições de trabalho para as equipes, adotar a transparência e a independência. Soube de excelentes projetos que foram realizados por jornalistas determinados a salvar o jornal, mas as coisas no fim caíam no buraco negro da indiferença proporcionada pela má gestão.

É preciso que se diga. Um jornal custa a morrer, mas quando começa a morrer, não pára mais.

RETORNO - 1. A grave denúncia do abandono do acervo de O Estado está neste endereço. 2. Imagem desta edição: Samuel Wainer e sua razão de viver, a Última Hora, assassinada pelo golpe de 1964. 3. Juca Kfouri, autoridade no esporte, confessa que "Dunga é uma surpresa". Não para o Diário da Fonte. Quando todo mundo caiu matando em cima do Dunga, na época em que ele estava montando o time e, portanto, precisava mais prudência do que outra coisa, quando espetaram sua imagem com tudo o que é tipo de alfinete, aqui nós demos o alerta, em mais de uma edição. Agora que ele não pára de vencer, ficam pasmos. Isso também mata jornal, essa mania de procurar nos fatos a confirmação dos próprios preconceitos e pressa. E não me venham de analistas isentos. São comprometidos, pelo menos com as próprias percepções graníticas, impermeáveis. Capitão Dunga!O cara que nos deu o tetracampeonato, junto com outros heróis. Que não tremeu na hora decisiva. Já que não gostam dele, pelo menos o respeitem.

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