24 de junho de 2009

UM CLÁSSICO NO CÍRCULO DE LEITURA


“De ambos os lado elevam-se picos de granito, altos e esguios como imensos minaretes turcos, perfurando as nuvens. No espaço aberto entre um e outro avistava-se a verdejante planície lá embaixo, ornada de vilas, estendo-se até a beira d´água. Ali começava a linda baía, salpicada de verdejantes ilhas numa das pontas e de navios de todas as nações, na outra; mais além ficava a cidade, estendo-se ao longo das praias e entremeada de morros cobertos de mata, com suas encostas pontilhadas de chácaras e seus cumes encimados por igrejas e conventos. Mais além ainda erguiam-se o Pão de Açúcar, o Corcovado e outros morros de singular formato que dão à entrada da baía um caráter tão incomum. E, por fim, ao longe, as águas azuis do Atlântico, estendendo-se pelo espaço infinito até se perderem ao longe no azul do céu. Mas é impossível para mim dar a você uma idéia de quão soberbo é esse panorama, que excede de muito o que já vi até agora ou que ainda espero ver. “

Noticias do Brasil (1828-1829), de R. Walsh, uma edição USP-Itatiaia).

Meu amigo e poeta Alcides Buss, coordenador do Círculo de Leitura de Forianópolis: o segundo volume do clássico de R. Walsh é minha leitura atual. Estou completamente tomado pelo texto, traduzido de maneira magistral por Regina Regis Junqueira. O Brasil está inteiro ali. A viagem que ele faz do Rio de Janeiro até os grotões auríferos de Minas Gerais, passando por seis regiões distintas, por campos e serras, gerou um relato fundamental sobre geografia, ambiente, costumes, populações, produção, comércio. Por todo o livro perpassa o humour inglês, já que o bom capelão de Lord Strangford precisava dizer a verdade por uma questão de princípios, mas evitava ao máximo ferir as suscetibilidades dos anfitriões brasileiros.

Estalagens tomadas por morcegos, hospedeiras embriagadas, chuvas torrenciais a maior parte do caminho, dieta variada e nem sempre satisfatória convivem com sustos, medos, isolamentos e uma sensação permanente de deslumbramento. Sabe o que me deu vontade, poeta? De fazer como Monteiro Lobato, de contar a viagem de Walsh do meu jeito e de maneira sucinta. Mas seria perda de tempo. O bom é encarar, em qualquer idade, os dois volumes dessa obra tão importante, que mostra como existia, antes de os caminhões levarem no lombo toda a produção, as caravanas de tropeiros com seus burros de carga, levando café, mandioca, açúcar e tudo o mais pelas escarpas e lodaçais do país.

Não mudamos muito. No lugar dos trens, resolvemos manter as estradas imperiais e colocar caminhão no lugar das mulas. E em vez de usar direito a grande extensão de terra arável, resolvemos continuar disseminando os desertos, uma situação que já existia naquela época, final da década de 1820. Mas de modo nenhum o livro traz desesperança. O país emergente, que se formava, tinha inúmeras qualidades, apontadas de maneira minuciosa pelo viajante desassombrado. No fundo, ele escreveu uma vasta defesa do Brasil, sobre nossa hospitalidade, vontade de aprender, cordialidade, respeito aos estrangeiros, honestidade. E nos dá lições de como devemos enxergar o que temos de bom e também nossas mazelas, para serem corrigidas.

É isso, amigo e poeta Alcides. Fica esse registro e o aviso aos internautas de que vale a pena levar lá o livro que cada um está lendo e debater com a platéia e o escritor em destaque. Já fui alvo deste privilégio. Desta vez, o contista, cronista e tradutor, Flávio José Cardozo é o convidado da 44ª edição do Círculo de Leitura de Florianópolis, que será realizada às 17h de quinta-feira, dia 25, no mini-auditório Harry Laus da Biblioteca Universitária da UFSC.

Ele falará de suas primeiras leituras, da passagem pelo seminário de Turvo, onde foi apresentado aos grandes clássicos da literatura, das lembranças da paisagem inóspita de Guatá, onde viveu a infância, de seus escritos e dos livros e autores prediletos, que revisita freqüentemente, na tentativa da “redescobrir” suas peculiaridades e o prazer que elas proporcionam. Essas e outras informações estão neste endereço.

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