5 de outubro de 2013

ABANDONO



Nei Duclós

Repito versos porque há rodízio na escuta.
E fabrico novos para manter a linha. 
Todo poema é fruto que se expõe
para ser abatido. Conduta entranhada
de futuros. Árvores que se desenham,
sentimentos maduros. Flor oferecida
no limite, antes que cometas suicídio

O poema é a esperança ainda crua
sem embalagens, apenas carne viva
que te socorre quando xinga, beija
quando há lua, morre quando foges
A poesia é tu ainda nua, no sacrifício
que o amor impõe entre armadilhas
rede de arrasto, apoio de equilibrista
jogo de sombrinha que pula no abismo

Digo de novo, insisto, já sabes o rumo
ritmo do recital onde mergulhas, pálida
figura de um século findo, musa surda
que não me escuta e combina o frio
quando deveria ser montanha e praia

Afasto tua neve no precipício e rolo
contigo para inventar o que é preciso
aquela estação, a primavera, arisca
e mendiga, lugar comum que habita
o olimpo obsoleto, azeda ambrosia
néctar que alimenta versos livres
que, repito, para salvar o espírito
teu abandono, amor de outra vida