30 de julho de 2013

ESCREVA-ME, POESIA



Nei Duclós

Escreva-me, poesia. Diga o que me leva ao infinito.

Todas as luzes se apagaram quando inventaste a beleza. Assomas, Lua Nova, em meu escuro sem estrelas.

Quem sabe um dia desistes de te afastar. E voltarás, relâmpago do único temporal.

Amor em verso, motor do gesto. Foste para sempre, mas ficou esse gosto.

Não fique tranquila imaginando que vou superar. O amor eterno, quando não correspondido, gera a falta eterna.

Folha solta que escorrega para o fundo. Aguardo o impossível: que ao chegar na água do poço faça algum barulho.

Já me acostumei com a ideia. O difícil é se desvencilhar desse longo abraço

Ainda bem que nunca existiu esse amor que me matou.

E agora o que faço com o cavalo que encilhei para te pegar?

Fiz de conta que não vi. O coração custa a aceitar

Não falei contigo. Falei com a vida que perdi por um capricho.

Foste o coração que eu tinha esquecido. Agora foi-se. Passas, pássara.

Não me tente com teu amor ausente. O que vem de vez em quando revistar os bolsos. Não faça molecagem com o coração alheio. Imagine o inverno quando estiveres pronta. Quando teu sonho acordar do verão e me vir voando.

Morri cedo. Estou no lucro. Sobrou tempo para esquecer o futuro.

Apaguei meus rastros. Não mostrei onde estive. Mergulhei no escuro. Lá, o que não é humano me dirá o caminho.

Não me respondes porque é da tua natureza. Fisgar-me e depois soltar, posando para as fotos.

Quando aperta a saudade, me atiro do precipício. Lá está o amor que eu sinto, estatelado.

Sonho feminino além da carne. Jogo pesado contigo para que te acabes.

- Não queria esse tremor na base, disse ela, desesperada.
- Colho pela raiz, que busca água, disse ele, determinado.

- O que você vai fazer comigo agora? disse ela, de olhar esbugalhado.
- Te jogarei no mar, onde fundei um castelo, disse ele, de olhar perdido.

Te perdi para sempre. Volta para pegar o que resta.

Compartilhamos o mesmo mar, mas o vento é diverso. Sopras com tua beleza, eu com meu jeito escasso.

Expus meus motivos dentro do paradigma. Não transgrido a necessidade de ser nítido. Agora não jogue neblina, esplêndida confusa.

Não sinto nada. Perdi o hábito de tanta ideia falsa. Agora sou materialista dialético, uso a lógica para te enredar com versos.

Precisei falar em código para que não torcessem o nariz quando vesti a palavra para o teu beijo.

Ficamos assim, disse ela. Eu me perco de ti, tu te perdes de mim.

Queres saber se eu existo? Não, o adeus apagou-me sem perguntas.

Só o amor faz sentido. O resto se esgarça sem ruído.

Foi demais o sentimento. Tirou férias da realidade.

Jogas pesado, beldade do abismo. Trincas meu perfil de vidro.

Venha me dizer o que te fez distante. Que eu provo ser mentira.

Não posso jogar o amor fora. Acabo recolhendo, como um traste da aurora.


RETORNO -  Imagem desta edição: obra de Edward Hooper.