Nei Duclós
Escreva-me, poesia. Diga o que me leva ao infinito.
Todas as luzes se apagaram quando inventaste a beleza.
Assomas, Lua Nova, em meu escuro sem estrelas.
Quem sabe um dia desistes de te afastar. E voltarás, relâmpago
do único temporal.
Amor em verso, motor do gesto. Foste para sempre, mas ficou
esse gosto.
Não fique tranquila imaginando que vou superar. O amor
eterno, quando não correspondido, gera a falta eterna.
Folha solta que escorrega para o fundo. Aguardo o impossível:
que ao chegar na água do poço faça algum barulho.
Já me acostumei com a ideia. O difícil é se desvencilhar
desse longo abraço
Ainda bem que nunca existiu esse amor que me matou.
E agora o que faço com o cavalo que encilhei para te pegar?
Fiz de conta que não vi. O coração
custa a aceitar
Não falei contigo. Falei com a vida que perdi por um
capricho.
Foste o coração que eu tinha esquecido. Agora foi-se.
Passas, pássara.
Não me tente com teu amor ausente. O que vem de vez em
quando revistar os bolsos. Não faça molecagem com o coração alheio. Imagine o
inverno quando estiveres pronta. Quando teu sonho acordar do verão e me vir
voando.
Morri cedo. Estou no lucro. Sobrou tempo para esquecer o
futuro.
Apaguei meus rastros. Não mostrei onde estive. Mergulhei no
escuro. Lá, o que não é humano me dirá o caminho.
Não me respondes porque é da tua
natureza. Fisgar-me e depois soltar, posando para as fotos.
Quando aperta a saudade, me atiro do
precipício. Lá está o amor que eu sinto, estatelado.
Sonho feminino além da carne. Jogo
pesado contigo para que te acabes.
- Não queria esse tremor na base,
disse ela, desesperada.
- Colho pela raiz, que busca água, disse ele,
determinado.
- O que você vai fazer comigo agora?
disse ela, de olhar esbugalhado.
- Te jogarei no mar, onde fundei um castelo, disse ele,
de olhar perdido.
Te perdi para sempre. Volta para
pegar o que resta.
Compartilhamos o mesmo mar, mas o
vento é diverso. Sopras com tua beleza, eu com meu jeito escasso.
Expus meus motivos dentro do
paradigma. Não transgrido a necessidade de ser nítido. Agora não jogue neblina,
esplêndida confusa.
Não sinto nada. Perdi o hábito de
tanta ideia falsa. Agora sou materialista dialético, uso a lógica para te
enredar com versos.
Precisei falar em código para que
não torcessem o nariz quando vesti a palavra para o teu beijo.
Ficamos assim, disse ela. Eu me
perco de ti, tu te perdes de mim.
Queres saber se eu existo? Não, o adeus apagou-me sem
perguntas.
Só o amor faz sentido. O resto se esgarça sem ruído.
Foi demais o sentimento. Tirou férias da realidade.
Jogas pesado, beldade do abismo. Trincas meu perfil de
vidro.
Venha me dizer o que te fez distante. Que eu provo ser
mentira.
Não posso jogar o amor fora. Acabo recolhendo, como um
traste da aurora.
RETORNO - Imagem desta edição: obra de Edward Hooper.