29 de julho de 2012

AMIZADE NO DESERTO


Nei Duclós

Passeio na nossa memória e tens a presença de voos longos entre livros e conversas. A vida que repartimos em breves momentos de amizade e sonho.

Flor doce-amarga é o que lembra teu nome, que me confidenciou endereços sem alarme, onde uma chuva miúda beijava os domingos.

Interrompias o expediente com teus projetos pulsantes. Ríamos na mesa de café fora do tempo. Recuperávamos assim a tarde que tinham levado.

Foste a amizade no deserto, sinal de que havia vida fora da rotina. Combinamos uma sintonia que era puro espírito. Foi difícil, pois nasceste bela.

Amiga perdida que reencontro agora, voltas com teu rosto sereno, talismã da sorte.

Sempre erramos quando estamos próximos e não vemos direito o tanto que perdemos. Mas o tempo ensina que em tudo temos apenas uma chance. A segunda vez é quando o amor conserta.

Eras tu a estudante que me segredava histórias. Nos mais belos momentos em que eu perdia tempo cultivando pedras.

Aquilo era amor, mas não precisava ser dito. E foi-se, como tudo o que está vivo. Ficou a lembrança, tua madurez de fada.

Projetavas o futuro longe daquela guerra. Como se imaginássemos um rancho no esplendor do campo. Lá, onde havia um regato, nosso amor feito só de gestos.

Diziam que era namoro, mas em tudo transcendias. Tão doce procurando na bolsa o nome de um estudo. Eu ficava te olhando como se visse estrelas.

Metade de mim, rosto cruzado por um sorriso, pontuado pelo olhar redondo de uma lua antiga. A moldura era o encanto que te impregnava.

O mais surpreendente é teu pedido de desculpas, como se um ruído qualquer fosse tudo o que temos. Somos aqueles dias infinitos, em que eu compartilhava a amiga dos meus sonhos.

Os anos se foram como corrente de uma ilusão forte, a de que eu tinha esquecido tudo. Mas bastou uma frase para reinventarmos aquele planeta.

Te chamo professora. Pequeninha naqueles palcos a ensinar marmanjos a pensar direito. Te ouvir sobre o que fazias era um delírio. Eu aprendia.

Não me perca mais de vista. Está contigo o domínio. Tens a chave desse enigma, o amor oculto e perene, sob a face da amizade plena.

Entendi agora, amiga. Precisei muitos anos para chegar à tua altura.


RETORNO – Imagem desta edição: Vivien Leigh.