4 de julho de 2012

BEIRAIS


Nei Duclós
 
Fica, não por querer, mas por curiosidade. Por sonhar e desconfiar que o toque pode acontecer. Aquele roçar de pele que é mais um estrondo.

Mulherzinha que joga água fria e não acerta de propósito. Só quer manter o exercício de parecer fria, enquanto ferve pelos beirais das curvas.

Começo de arrepio que começa à toa e sobe pelo sangue sem remédio. Mas por enquanto é só espera. Tenho você nua em meus olhos fechados.

Teus dedos do pé, molhados, joelhos soltos, por acaso, curvas antes da cintura que ainda não tremem, peitos sob sedas, em ti a palma dos meus olhos

Barro e raiz, planta e humus. Molho de sereno. Te aspiro.

Passo a mão em ti, deitada ao meu lado, de olho no céu. Cada estrela cadente é um gemido

São poucas estrelas, como se fossem as sobreviventes a estocar nosso desejo

Quieta, só escuto tua respiração funda, num ritmo que vai tomando conta de mim, devagarinho. um brilho vem de cima e pousa em teu cabelo

Te desmanchas no meu abraço forte,aos poucos viras a água da tua origem onde mergulho os dedos, as mãos e te beijo.


És água onde me banho e te rolo na grama devagar, provando cada centimetro do teu corpo. Orvalhada


FRONT

Me encantas com teu deboche. Dá gosto dar o troco.

Acabou a trégua. Peguei meu cantil e volto para o front.

Lugar comum é a praça de amores incorrigíveis.

Quando menos esperas, ela te põe na cama. E não era a Lua, era a armadilha. Tentaste a deusa, encontraste o destino.

Pinga o mel na sua passagem sem retoques. Colho o açúcar de sua luz intensa. Cheia de doçura, pronta para o bote.

Bobagem, me disse alguém. Você fica inventando. Verdade, respondi. Eu pus esse alvoroço no céu de julho sem nuvens, neste verão tardio fora de prumo. Perigo certo essa imaginação bruta.

Ela pisa a paisagem com seu estrondo de espumas, emudecendo os pássaros que insistiam em ultrapassar a linha do crepúsculo. Faz a ronda com olhares fundos. Enxerga teus mecanismos sem conserto.

Você dobra a esquina e ela assoma, como um susto. Vista pela primeira vez em milênios. Enigma de civilizações outrora sem Lua, ermas da Rainha.

Luona amarela, pensativa, beldade grande boiando logo acima da montanha, indiferente ao que poussi de muito feminina. Parece alguém que conheço. Mulherona.

Quero fazer contigo o que sempre imagino. Desta vez, com tua presença de pele exposta ao meu confronto.

Ela passou por mim depois de tanto tempo. Fui prudente, com medo de sua recusa, mas ela escancarou tudo. Por que me devastas, segredo?


TIRANO

Ninguém foge do amor, elemental tirano. Duende terrível. Mora nas folhas do teu capricho.

Achas que é mentira o que sinto. É verdade até quando finjo.

Não esqueça de ser minha quando partires por dentro. Serei tua costura com a linha do mel que me brindas.

Te escolho entre mil, princesa, sem saber que sou o escolhido por teu poder de primavera.

À meia noite, quando todos sumirem, vou te dar um beijo que não se dissolve nem na última badalada.



RETORNO – Imagem desta edição: Jessica Lange.