15 de agosto de 2010

O PARADOXO DE WHILE


Nei Duclós

Pesquisador brasileiro, que se esconde sob o pseudônimo de While (talvez para fugir de um Jondertson) levantou uma hipótese polêmica, que depois de abandonada no meio acadêmico alcançou súbita notoriedade. Trata-se de uma relação entre duas situações incomensuráveis. A primeira é a da linha contínua que forma o círculo e que, em tese, jamais se fecha, pois não alcança o número infinito de pontos que existe antes de chegar ao final. A segunda é o perfil auto-definido das personalidades humanas, que também funcionaria como uma sucessão infinita de pontos, as imagens superpostas, como num espelho em frente ao outro. O círculo que jamais se fecha e a consciência que nunca chega à cristalização teriam uma relação íntima, que encerra um paradoxo. Qual seria?

Tanto a figura geométrica que nunca atinge sua concretização final, quanto o ethos pessoal sempre incompleto existem de fato e são vistos como definitivos. A existência da roda ou do Porfírio permite que pessoas andem de carro e xinguem os outros porque sempre têm razão. Mas sob o ponto de vista do paradoxo de While, nem o carro poderia rodar nem Porfírio teria chance de dirigir, pois não contaria com suas certezas para abrir caminho no tráfego.

Parece uma bobagem, e é. Mas não fosse o scholar Branden Der Wolf, que veio pesquisar os nativos a partir de uma bolsa fornecida pelo governo de Luxemburgo e da universidade de Branderbugo, talvez While continuasse no anonimato, como acontece com todos os produtores de pensamentos que tiveram a infelicidade de nascer no Brasil.

Wolf adorou o estudo de While, que não passa de seis páginas datilografadas em espaço dois em papel ofício A4 . O que o encantou foi, a principio, um paper escrito numa velha Olivetti, apesar de ser datado de março de 2010. E depois, ao colocar o texto no Google Tradutor, as possibilidades lucrativas de desdobramentos.

A verdade é que Wolf tinha se amasiado com uma mulata na Baixa do Sapateiro e deixado escorrer miseravelmente o tempo para sua tese. Ao selecionar papéis para uma necessidade premente, descobriu que tinha descoberto ouro em pó. E voltou do reservado com os olhos esbugalhados. Ali estava a possibilidade de estender sua estadia no Brasil por mais 20 anos. É o tempo que leva uma carreira bem sucedida nas universidades brasileiras. Bastaria encher alguns formulários, verter para o inglês a barafunda de While e pronto.

Desconfio que foi o próprio Wolf que arranjou o pseudônimo para Jondertson. Assim convenceria seus orientadores teuto-saxões de que estava às voltas com um fenômeno da fenomenologia, uma espécie de Schopenhauer de tanga, um Wittegenstein tardio. Como caçador de paradoxos, Wolf sabia que poderia incrementar o estudo com teorias bizarras sobre contradições nas relações de infinitude. O que havia de novidade é que pela primeira vez um estudo combinava a perfeição e os abismos da geometria e da matemática com a situação da diversidade e da sustentabilidade humana contemporânea. Não haveria mais como escapar da possibilidade de encarar cada candidato político, por exemplo, ou cada celebridade, como algo a ser enfrentado como um teorema complexo ancestral.

O problema é que o egrégio conselho da Universidade de Brandeburgo refutou a hipótese e mandou suspender a mordomia, que era de uns cinco paus de euros por mês, uma fortuna na periferia de Salvador. Foram suspensas também as viagens de Wolf a Santa Cruz do Sul, onde mora While, estudante por correspondência do Instituto Unviersal Sowak-Brasileiro, de existência virtual, mas significativa, pá que tem costas quentes, com três senadores lutando por sua regulamentação.

Claro que não foi o péssimo currículo da instituição de ensino freqüentado pro While que definiu o desenlace desfavorável. Hoje é moda cacifar grotões, a culpa primeiromundista alcançou níveis estratosféricos. Mas sim a natureza do paradoxo, de implicância político-perigosas. Os professores doutores não queriam amarrotar suas relações com o governo brasileiro, pois todos os anos ganhavam do Ministério da Educação uma verba para visitar as praias do nosso litoral. Wolf já tinha usufruído bastante dos trópicos, por que haveria de estragar o esquema deles?

Foi assim que While caiu temporariamente no anonimato e só recentemente foi resgatado por uma reportagem do jornal O Parcial, de Sururucu da Serra. O repórter Benício Vagalume descobriu a tese reescrita por Wolf num site sobre cães, e colocou no Google Tradutor, ganhando de presente um belo calhau para preencher lacuna deixada por malho na prefeitura local. Não tinham o que colocar lá, mas a página era em cores e fechava um caderno especial. O paradoxo de While então abrilhantou os serões deste inverno e virou um must não só na região, como nas catacumbas das universidades marginalizadas do País.
While/Wolf viraram símbolos do saber que jamais é considerado. Já tem candidato prometendo elevar os dois ao nível de consultores regiamente pagos, para que distribuam suas luzes em cursos de auto-ajuda, superfaturados, pelo país afora.

Nem tudo está perdido. O círculo jamais se fecha, portanto a verba nunca acaba. E esse negócio de perfil pessoal incomensurável, já sabemos: faz parte da política brasileira atual. Ninguém tem uma só cara, isso não dá mais lucro.

RETORNO - Imagem desta edição: Tambor Digital, de Ricky Bols.

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