11 de agosto de 2010

ESPERANÇA


Nei Duclós (*)

Postura crítica é confundida com falta de esperança. Enxergar seria apenas ver o lado ruim das coisas, e denúncia não passaria de pessimismo. Há ainda um lado mais obscuro do poliedro. Ficar em guarda diante de injustiças ou inverdades corre o risco de cair na vala comum do bom-mocismo. Há, portanto, uma série de impedimentos para revelar o óbvio. No conto infantil, os garotos tiveram de berrar na rua para que a ficha da população caísse e os falsos estilistas fossem desmascarados.

O grito faz parte dessa lista de proibições do verniz civilizado. A não ser que seja confundido com música, aí pode. Mas levantar a voz para ser ouvido é o mesmo, no atual estado da repressão social, do que tentar impor a própria opinião. De mãos e pés amarrados, os contemporâneos se dedicam ao mutismo funcional e ao espírito desabitado, o que leva ao consumo feérico de frases pífias, pensamentos vazios e outros truques de linguagem confundidos com sabedoria.

Com a calamidade exposta por toda parte, e com os inúmeros canais que se abriram para a manifestação pública, reiteramos imprecações, o que torna inoperante qualquer gesto a favor da mudança. Às vezes as chamadas redes sociais dão um susto em alguma notoriedade, mas tudo volta ao normal. Remoemos nossos pensamentos sem compartilhar com muita gente, com medo de sermos enquadrados em algum partido, ideologia, campanha política, religião ou assinatura de manifestos.

Lembro quando, há tempos, decidi parar de participar de assinaturas a favor de alguma coisa. Tudo continuava igual, mas havia um acervo de insurgência que ia crescendo e enriquecendo algumas personalidades, que acabaram fazendo carreira. Manipular o verbo para ter acesso à verba não deve contar com o apoio das pessoas responsáveis. Você se nega a dar o aval para algum movimento, que no fim é apenas para carregar no ombro uma ou outra candidatura. Mas não deveria deixar por isso mesmo.

É preciso vir a campo e peitar os poderes emergentes ou institucionalizados, que contrariam o exercício pleno e livre da cidadania, mesmo que o chamem de utópico, ultrapassado, superficial, metido. Quem não tem voz ativa, dispõe pelo menos da sua palavra. E ela precisa circular e ser identificada com o autor, para que tenhamos a coragem das identidades pessoais em confronto com perversidades coletivas.

RETORNO - 1.(*) Crônica publicada no dia 10 de agosto de 2010 no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: She, Blue, obra de Juliana Duclós.


EXTRA: VENHA PARA A FOOT-BALL


A segunda edição da revistaça Foot-Ball, que tem no comando o mestre Moacir Japiassu e seu filho Daniel Japiassu, está um estouro. Belissima edição para os aficcionados do esporte e do bom jornalismo, para os amantes do bom texto e da alegria de ler e ver. Fui convidado para participar e compareço com Grenal, a Guerra Centenária, que pode ser vista neste link. Mas tem muito mais. Leia, divulgue, compre, colecione.

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