11 de novembro de 2006

CONHECIMENTO DE MASSA





É comum esnobar informação dizendo que ela já está absorvida, sabida, passada. É um vício do nosso tempo. Você não informa absolutamente ninguém, todos estão muito bem informados. Cisquei na internet comentários sobre o filme A Corporação (Canadá, 2004), de Jennifer Abbott e Mark Achbar, com roteiro de Joel Bakan e Harold Crooks, e vi que muito texto boceja sobre o já dito e sabido e que o filme não traz grandes novidades. Discordo. É preciso prestar atenção nos contemporâneos, eles têm algo a dizer no meio da floresta de lugares comuns. De longe, parece que não há informação nenhuma. Mas é só aproximar um pouco o olhar para ver o que nos incomoda. Pois o conhecimento alheio nos chateia, e denuncia nossa ignorância. Diz na nossa cara que não sabíamos daquilo, que jamais tínhamos pensado. E o que "A Corporação" nos traz que nem tínhamos adivinhado? Não vou me estender sobre esse longo documentário (está tudo nos sites). O que me interessa é a contribuição que traz para o nosso espanto.

PESSOA - Primeiro, a pesquisa sobre a origem da pessoa jurídica, criada para não ter responsabilidade alguma e que é, no filme, comparada a um psicopata, sem nenhuma responsabilidade. É dito com todas as letras que responsabilidade social é só publicidade. Que a corporação, pessoa jurídica psicopata, não tem nenhuma responsabilidade com o ambiente, por exemplo, só com o lucro e por isso quer ser vista como alguém que se preocupa com os rios e as árvores. Só a seqüência sobre a luta contra a privatização da água na Bolívia dá a dimensão exata do que as corporações pensam sobre o meio ambiente (até água da chuva era proibida de ser coletada, tudo era da empresa estrangeira que comprou os direitos do insumo básico). Um dado incrível é que a pessoa jurídica foi quem mais se beneficiou das leis de proteção às pessoas, criadas nos Estados Unidos logo depois da Guerra Civil (Secessão), para proteger os negros. Quem saiu lucrando foram as corporações, que alegavam ser uma pessoa. Esse é um dado incrível e não merece ser relegado a um déjà vu. Acho que pouca gente sabia.

PUBLICIDADE - Outro impacto foi o envolvimento da IBM no massacre dos judeus na II Guerra. Os cartões perfurados serviram para gerir o fluxo das vítimas, um trabalho feito pela sucursal alemã da corporação. A IBM fez um contrato direto entre Nova York e Berlim, segundo as pesquisas mostradas no documentário. Você sabia? Eu não. A denúncia contra a Monsanto é mais uma informação importante. Segundo denúncias de 1997 (num processo que se arrastou até 2004 pelo menos) a empresona (que parece mandar no Brasil) criou uma coisa para aumentar a produção de leite, o que provocou doença no gado, que foi tratado por antibiótico, que acaba indo para o resultado final, consumido por todo mundo, principalmente crianças. Dois jornalistas da Fox denunciaram, mas foram impedidos de levar ao ar seu programa e acabaram derrotados na justiça. A Europa, que ficou escaldada com a vaca louca, proibiu o produto da Monsanto, e o Canadá, que não é trouxa, também. Mas nos Estados Unidos ele continua sendo usado, contaminando um alimento básico da população. Por que? Porque eles podem. O documentário mostra explicitamente que notícia é tudo aquilo que a publicidade decide o que é notícia, palavras de um executivo da Fox, segundo o documentário. O jornalismo acabou, como cansamos de dizer aqui.

SOLUÇÃO - Há saída para essa ditadura das corporações? O filme diz que há. Que toda a história humana é a derrota de uma tirania, que é substituída por outro regiume, muitas vezes mais ditadura, mas existem mudanças, possibilidade de derrubar o regime. E dá o exemplo de uma empresa poderosa centenária americana da área do petróleo que foi desativada pelos cidadãos armados de meios legais. Não é impossível derrotá-las. E urge acabar com elas, entrando aí toda sorte de pensamento. Os americanos, que dominam o filme, são muito institucionais. Todo o Mal é uma distorção da Grande Nação e do capitalismo ético das origens. Mas esquecem que a literatura marxista faz esse tipo de denúncia há mais de um século. A questão é que o marxismo não é levado em consideração pelo pensamento hegemônico americano (marxismo é confundido com o comunismo da Guerra Fria e portanto é encarado como uma traição, o que é um escândalo teórico). Eles querem achar caminhos por conta própria e nisso se perdem. Enquanto estiverem abraçados à bandeirinha estrelada, estaremos fritos. É preciso noção de que existe o Outro. Não é por nada que a Europa pensa diferente. Marx é europeu.

AVALANCHE - O pacote do filme é composto por dois discos. O segundo é um "ouça mais" dos entrevistados, verdadeiro mergulho em vários assuntos relacionados com o tema. Especialmente o ativismo anti-corporativo e as dificuldades tanto das lutas populares (não existe lei que dê autoridade ao povo nessas questões polêmicas) quanto das investigações feitas por jornalistas (não há lei que impeça a distorção de notícias). As corporações dominam o noticiário e as relações públicas têm a palavra final. É com certo susto e desencanto que os depoimentos reportam campanhas milionárias para desestabilizar as denúncias, pressões de todos os tipos, benefícios no judiciário etc. É um escândalo atrás do outro. Por isso, melhor do que alugar, é comprar e ter em casa para ir seguindo a quantidade de enorme de informações. Passei dois dias inteiros vendo a avalanche e assim mesmo não consegui acompanhar tudo. O mais assustador é que somos moniotorados pela internet por algumas vilãs poderosas. Desconfio que a liberdade na rede está por um fio e esta época, dos anos 90 até talvez a próxima década, será lembrada no futuro como os anos 60 da revolução digital.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: cena do filme "A Corporação", que está nas locadoras e é obrigatório. 2. Fernando Pereira da Silva me envia mensagem sobre minha crônica "Um estranho batizado". O grande memorialista de Uruguaiana diz que adora meus textos sobre a cidade e que faz parte deles, pois a dona Leda, mãe de Fernandinho, era amicíssima de minha mãe Rosa. As duas comentavam tudo o que se passava nas famílias. Esse é o leitor que, de tão próximo, já é personagem.

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