28 de novembro de 2006




ERA ÁGUA QUE DEUS MANDAVA

Era o que meu tio Waldemar Ortiz dizia quando chovia demais no front das guerras das quais participou (1923, 1924, 1926, 1930). Significava uma trégua forçada no tiroteio. Ou, quando corria bala, havia a jorro do céu para atrapalhar. Chuva é um transtorno na batalha, mas não deveria ser na vida normal. O que chamam de pontos de alagamento em São Paulo são apenas sinais explícitos da falta de políticas públicas a favor da urbanização. Chove e a cidade vem abaixo. O Brasil não foi feito para chuva. Não sobra dinheiro para as obras. As calçadas, os bairros, as ruas, ficam intactas durante décadas. Não existe essa obrigação por melhorias.

TRABALHO - Por sorte, aqui em Florianópolis, a Prefeitura é bastante dinâmica e tem feito bastante coisa, pelo menos os trabalhos visíveis, como asfaltamento, recapeamento, colocação de lajotas, implantação de passeios públicos. Aqui no norte da ilha, há muita máquina funcionando e gente trabalhando todos os dias. É a primeira vez que vejo uma prefeitura trabalhar, pelo menos depois de 1964. Quando criança, todos os anos o prefeito mandava plantar árvores por toda a cidade. Muitas sobreviveram e fazem a alegria da fronteira. E nem se falava em ecologia.

PÃO - Em todas as profissões (inclusive no jornalismo), a palavra é insumo para se ganhar a vida. Só na literatura ela é o próprio pão que a vida amassou. Isso se você decidir ser um escritor profissional. Comigo aconteceu o seguinte: usei as redações para publicar minhas coisas. Encruava num lead, numa resenha, numa reportagem (esse pulo diário para a ficção) o que precisava fazer na literatura. Perdi meu tempo, dirão, mas ganhei a vida, que perdemos sempre, que se escoa pelos minutos do dia. Nas entrelinhas, entreatos, horas livres (raras), a literatura formatada em livro, antologia, e depois, internet. Troquei palavra por pão. Profissão estranha, a do escritor. Causa estranhamento, mas nem tanto. O autor precisa estar identificado com as pessoas, a comunidade, a paisagem. Assim fica mais fácil ser reconhecido. É um trabalho diário, que dá certo. Pessoas que jamais entram numa livraria, gostam de saber que lancei um livro sobre eventos (personagens, estações, praias) da ilha. E reagem muito bem.

CARTA - Nos meus arquivos, revisito carta maravilhosa de Cláudio Levitan, o Iluminado. Ele escreve sobre meu romance Universo Baldio (que está sendo torrado em sites da internet, a preço baixíssimo). Levitan me escreveu logo depois de ter me visitado na Feira do Livro de Porto Alegre em 2005: " Nei, Ainda estou zonzo com tanta emoção. Aquela tarde maravilhosa em Porto Alegre. A feira do livro sempre é premiada com muita chuva, mas tem dias de sol e brisa que a tornam o lugar mais lindo do mundo! Foi justamente o que ocorreu no teu dia. Que linda tarde de primavera acolhendo nosso encontro.

Saí de lá feliz por reencontrar amigos de tanto tempo atrás e de te ver o mesmo, o sempre poeta cheio de melancolia e humor!! Não protelei a leitura do teu Universo Baldio, já saí lendo ali mesmo no ônibus e fiquei com ele todos esses dias sorvendo cada parágrafo. Cara!! Que maravilha um poeta tornar-se romancista! Tudo é poesia e tudo é história. A vida toma uma outra dimensão e já me veio uma angustiosa espera pelo novo livro. Conta de ti, fala de ti, deixa tua mala/alma rolar ladeira abaixo com suas folhas voando voando como teus pássaros em liberdade plena, com teus angustiosos debates internos sobre as escolhas e nos permite acompanhar teu deleite aos sorver palavras e pensamentos! Na primeira parte de teu livro (o primeiro tempo), lembrei-me do caio que falou daquela mesma época em seus livros sob uma ótica tão dilacerada e corajosa, com seu olhar castanho escuro, e te senti parceiro daquelas viagens, mas transitando com outra melodia igualmente dilacerante sob teu olhar azul claro. E senti saudades de outros livros teus sobre este mesmo período. Saiu com tanta precisão e humor que reviver aquele tempo foi um enorme prazer.

Quando iniciou o Segundo Tempo, descobri um outro nei, cinematográfico, em que a fantasia não vem para aliviar mas para reconstruir a vida. O tempo não é obstáculo para a palavra. A história é fantástica como todo o pampa, e como a vida de uma pessoa. Pura poesia. Emocionante. Tenho falado a todos, leiam o Universo Baldio, é uma milonga falando sobre o Brasil, sobre São Paulo, o sul do Brasil, sobre o interior do brasileiro. Cara, gostei muito!!! E gostei muito de te ver com o mesmo sorriso gostoso entre divertindo-se com tudo e consigo mesmo, mas dolorido com a tragédia geral. Há sempre esperança nas tuas palavras. E é isto o que vale. Um enorme e apertado abraço do teu fã, sempre e mais, Cláudio".

RETORNO - 1. Imagem de hoje: tremenda foto de Helcio Toth. 2. Ainda estou devendo a resenha sobre o novo livro de Claudio Levitan, "Pimenta do reino em pó". Escritor, compositor, arquiteto, desenhista, Levitan é talento de sobra, que nos deslumbra com sua grandeza e generosidade.

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