16 de novembro de 2006

HORÁRIO DE VERÃO




Nei Duclós

Mal desponta o sol e já são três da tarde. Os bancos fecham antes de você acordar e sempre dá uma vontade danada de almoçar aí pela meia noite. No fim do expediente, ainda é de manhã. As noites, com sol de rachar, são intermináveis e dá para jogar um torneio completo com dez times de futebol antes do telejornal. Nós já estávamos meio desnorteados com os horários políticos dos dois turnos, que driblou o momento certo dos programas de TV e agora, com o horário de verão, acabamos vendo o Corujão na sessão da tarde. Normal, dizem. Mas no fundo somos vítimas do fuso horário sem viajar para o Exterior.

A situação é tão complicada que, se alguém pegar um avião para o Mato Grosso (em época fora da operação padrão), acaba chegando antes de partir. É possível então avisar a si mesmo que chegou bem antes de entrar na lata voadora, o que é uma grande vantagem para quem tem pânico de decolar. Cheguei bem, posso embarcar. Em tempos normais, já existem duas horas de defasagem e com a nova medida, ao descer no cerrado a cabeça roda como se chegasse na Coréia. Por estar mareado, o sono vem três horas antes do habitual e ao despertar a tendência é pedir café da manhã na boate mais próxima.

Tem gente que adora horário de verão porque assim pode sair à noite com mais segurança, pois é de dia. Os bares se enchem e os garçons servem leite com bolo inglês. Caipirinha? É muito cedo para beber álcool. Contente-se com teen sabor tangerina. Só depois que o sol se por é que pode pedir cerveja. A Happy Hour, desse jeito, acaba virando festa de aniversário da primeira infância. Sair cansado do trabalho para esticar com os amigos tem um contratempo: o ambiente está cheio de balões e brigadeiros.

No fundo querem, por medida de segurança, eliminar a noite, território improvável onde é possível ressuscitar um samba canção. A escuridão favorece o crime, como o namoro à antiga, entre gêneros complementares, com pedidos de casamento, quando o sujeito de joelhos fica em frente a um vestido grená. De dia, quando o horário de verão determina o sol a pino o tempo todo, é possível ver que tudo funciona sem transgressões e as pessoas mostram um ar de confiança no país e no futuro.

O horário de verão é para justificar que algo muda no ano que jamais começa. Festas, Carnaval, Páscoa, eleições, pronto, o ano finda. Ué, já acabou? Não, dizem os espertinhos. Ainda tem o horário de verão. Fica a impressão de que a rotina foi para o espaço, o que é muito bom, pois desde que o mundo se tornou mais moderno, é preciso exibir um novo visual, um novo emprego, uma nova namorada. Malhar nas academias sempre abertas leva à felicidade porque o dia de trabalho sumiu com o horário que devora os minutos como se fossem batatas fritas. Todos ficam disponíveis para dizer "com certeza". E exibem aquele ar de gracejo contra os outros, que estão sempre defasados, que jamais se acostumam à novidade do horário de verão. Já fechou, seu idiota. Chegaste depois da reunião, seu perdedor. Perdeste a confraternização, animal.

O mais impressionante é que no horário de verão existem duas meia noite. Uma às onze horas, que é o horário normal, e outra à uma da manhã, em pleno vigor do horário de verão. Comemora-se o ano seguinte quando estamos no anterior. Depois comemoramos quando todo mundo já está cansado do ano velho. Já era, dizem. Vamos esperar o carnaval.

RETORNO - Imagem de hoje: a Sarça Ardente no Pampa, segundo Anderson Petroceli.

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