12 de setembro de 2003

POSTURA DE AUTOR

POSTURA DE AUTOR


Como uma pessoa – que representa 10% dos meus leitores fixos – reclamou dos palavrões da coluna de ontem, vamos falar hoje de coisas mais amenas, mas não menos importantes. Nesta época de tantos deveres e “direitchos”, precisamos ficar atentos ao que realmente interessa. Como, apesar dos manuais, jornalismo não precisa obedecer a cânone nenhum, apenas o da eficiência e criatividade, vamos a um nariz de cera supimpa antes de chegar no lead.

IMAGEM – Quantas vezes nos flagramos falando “o brasileiro?” Muita gente já comentou isso, especialmente o João Ubaldo Ribeiro, de que o brasileiro está fora de nós, brasileiro são os outros. A origem desse embrulho é que temos duas palavras que significam a mesma coisa: povo e gente, que no inglês é uma só, people. Lá, o povo são as pessoas, aqui, o povo são as pessoas pobres. Por que o Brasil tem imagem tão ruim no Exterior? Porque nos convencemos internamente que temos um “povinho” (nós, não, nós somos ingleses, italianos, russos ou franceses). A baixa auto-estima costuma revelar-se pela patriotada. Qualquer bronze nos enche de lágrimas. Qualquer vitória apertada contra Colômbia (que deixou no banco o Arristizábal) cria uma euforia pré final da Copa de 50. Aí chega o Equador, quase empata, e todo mundo cai em parafuso. Cada país tem a imagem que projeta para o Exterior. A auto-imagem do alemão é o da competência em todas as áreas, da tecnologia à cultura. E é isso que vemos, apesar do nazismo que manchou a História da grande nação.

PATRIOTADAS - Atualmente, vivemos novo surto de patriotadas, parecida com a que tivemos na época do milagre econômico, nos anos 70, quando o Delfim Netto subornou a classe média aumentando perigosamente os níveis da dívida externa – o que continuam fazendo, alegremente, em pleno populismo de Lula, o líder que se fez a partir da crítica acadêmica do populismo trabalhista. Lula esquece que ele pôde sobreviver e fazer política graças ao velho trabalhismo – como disse o Brizola, “quando Lula chegou no ABC, o sindicato estava lá porque o Getúlio tinha garantido a existência sindical com a presença da polícia”. Não há motivos para euforias. Líderes populares estão sendo presos e falcatruas perdoadas uma atrás da outra, apesar do esforço dessa brilhante geração de promotores públicos, que se um dia assumirem o poder o Brasil terá chances reais de mudar. Na Argentina é diferente: lá eles não brincam em serviço. Eles possuem uma auto-imagem de grandeza e revoltam-se quando o governo não se comporta à altura. Não se trata de patriotadas, mas de verdadeira auto-estima, pois quando foram para o fundo do poço, mergulharam com tudo. Os argentinos olham no olho do furacão e gritam: “o que há? Vai encarar?” Isso chama-se coragem. É por isso que conseguem gerar um presidente como esse surpreendente Kirchner, que está dando banho de bola no Lula (o presidente do discurso furado, do choro fácil e do exibicionismo ridículo) .

AUTORIA – Todo esse vasto nariz de cera é para falar sobre um assunto que debati ontem com Tomás May, fotógrafo inconformado com a placidez entre nós, brasileiros, que a tudo nos adaptamos e não lutamos para mudar. Atenção: Tomás, que é uma santa criatura, falou apenas do aspecto profissional, e não do político, já que ele nada tem a ver com minhas posições aqui. Falei para ele – que me deu a honra de uma visita aqui em casa - da importância da auto-estima e de assumir a postura de autor, uma coisa muito comum na minha geração e que hoje está mais rara (a não ser é claro, entre os aproveitadores de sempre). Quero dizer o seguinte: o talento, nos anos 60 e 70, assumia uma postura autoral e tentava abrir caminho com isso. Hoje o talento está confinado na dúvida, muitas pessoas talentosas não costumam assumir essa postura, para grande prejuízo pessoal e coletivo. É preciso ter certeza sobre seu talento, sua criatividade, sem deixar de lado, claro, a auto-crítica (o que é bem diferente da baixa auto-estima). Não estou falando em vaidade, mas confiança nas próprias forças. O que repassamos aos outros são nossas certezas e dúvidas. Se você é um autor de verdade, não vá repassar a responsabilidade da avaliação do seu trabalho para os outros. Você avalia, e os outros fatalmente concordarão. Pois não há crítico maior do que nós mesmos. Nós sabemos onde o galo canta.

TUDO CONTIGO - Então não tenha dúvidas: assuma-se como artista, escritor, poeta. Seja o jornalista dos seus sonhos. Faça a foto que vai mudar o mundo. Não tenha vergonha. Projete sua auto-estima. Assuma a posição de autor. Da mesma forma: tenha certeza sobre a força do Brasil, mas não desista de criticá-lo. Não vá bater no peito e cantar o hino na frente das câmaras enquanto o povo continua sendo torturado e o governo continua o mesmo sempre.

Atenção: onde lê-se autor, leia-se também autora. Onde lê-se fotógrafo, leia-se também fotógrafa. Minha formação é pré-Sarney, antes do "Brasileiros e brasileiras". Sou do tempo do "Trabalhadores do Brasil".
Mais um atenção: quem comentar (favoravelmente, é claro, não tenho mais idade para polêmicas) estas notas, ganhará, como o pobre do Tomás May ontem, um pastel de queijo da Pastelândia como prêmio. Quem for contra, terá também direito a pastel, mas aí tem que pagar e me oferecer um.

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