13 de setembro de 2003

JORNALISMO-DE-BREQUE

Professores e estudantes universitários visitam a coluna e emprestam seu prestígio com suas leituras e comentários. Neste primeiro sábado do Diário da Fonte, uma edição especial com a estréia de uma seção, a de perfis de jornalistas com os quais trabalhei.

EDUCAÇÃO ON-LINE - Zelia Leal Adghirni, da Universidade de Brasília, minha amiga de longa data, escreve dizendo que lê a coluna atentamente como professora de jornalismo. Seu doutorado é sobre o jornalismo on-line. Sua carta funcionou como uma sugestão: como devo entender desse assunto não tanto pela longevidade, mas pela insistência, decidi focar mais a coluna nessa área, poupando meus poucos, mas fiéis leitores, das “dizidas” sobre política. Publiquei a primeira matéria em 1969 (as datas não foram feitas para assustar ninguém) numa revista de Porto Alegre (que teve alguns números e um nome do qual não me lembro) e era sobre a influência da TV na educação. Começava com um fato real: uma aluna do primeiro grau levantou os olhos numa prova e implorou: “Topo Gigio, ajudai-me”, o que revela o caráter de divindidade que adquiriu um personagem, um rato, imposto goela abaixo na meninada. Contra Topo Gigio insurgiu-se o Sig, o rato do Pasquim. Sou do tempo do Pasquim, do Tarso de Castro, um inventor de jornais e sobre o qual demoram as reproduções de seus antológicos textos. Recebo inúmeras mensagens de jornalistas, estudantes e professores de comunicação e sinto que há grande falta de abordagens vivas sobre nossa imprensa. Sorte que contamos com Zélia na UNB e Francisco Karam, na Universidade Federal de Santa Catarina, dois luminosos professores do jornalismo pátrio, a quem as novas gerações devem agradecer todos os dias.


REDATOR PC – O professor Luiz Carlos Duclós, da PUC do Paraná, que orienta a pós graduação em Tecnologia de Informação, também me retribui o convite para visitar a coluna. Graças ao Luiz Carlos, meu irmão tão próximo que nos chamavam de gêmeos quando crianças (o que é uma injustiça a ele) é que entrei no mundo da informática. Posso dizer que até há pouco tempo guardei uma relíquia, meu diploma de Redator PC, assinado por ele, pois Luiz Carlos é pioneiro na implantação da cultura digital no País. Foi professor tanto em Blumenau quanto em Florianópolis, hoje dois pólos importantes em tecnologia de informação. Luiz Carlos, como empresário de serviços sob medida em software, também foi o publisher de um jornal que criei junto com o Fortuna, o gênio do traço e da arte e que infelizmente não está mais entre nós. Fizemos, Fortuna, eu e o fotógrafo/artista Ayrton de Magalhães, o Softpress, que no terceiro número ganhou (1988) um Prêmio Aberje (Destaque de Texto). Eram apenas quatro páginas, mas lembro que, ao lançarmos, a assessoria de imprensa da Microsoft nos enviou um telegrama elogiando o jornal e falando que Softpress era a melhor newsletter surgida no Brasil naquela época. Fortuna, gênio absoluto da raça, também merece ser resgatado. Foi ele, com suas duas páginas de humor no Correio da Manhã (acho que era o Correio) que revelou talentos como o Ziraldo, recém chegado de Minas Gerais, entre muitos outros. Honra e glórias eternas.


VAIDADES – Vocês notaram que, para muitos repórteres de televisão, o que importa é o crédito? Digam o que disserem, a ênfase vem sempre no final: “Fulano de Tal (pausa!), de Caixa-Prego”. A pausa também é usada no meio da reportagem. Podem notar: é um falso suspense, criado para dizer...obviedades. É o que eu chamo de jornalismo-de-breque, que faz súbito e provisório silêncio para tentar surpreender o telespectador. Ao contrário do samba, onde o breque cai muito bem, no jornalismo o recurso torna-se gasto pelo excesso de uso.


Perfil – Jorge Escosteguy

UM SOPRO NO CORAÇÃO – Escrevi este texto sobre o Jorge Escosteguy, jornalista de primeira água nascido em Livramento (terra de jornalistas) e que me abriu as portas de São Paulo me encaminhando primeiro para a Veja (onde publiquei resenhas de livros), depois para a Folha de São Paulo (onde fui redator, repórter e crítico musical da Ilustrada entre 1977 e 1979). É absolutamente inédito e inaugura minha seção de perfis .

Os cardíacos criados no pampa crescem com uma desvantagem: precisam provar que são feitos da mesma têmpera da cultura local, mais afeita à luta do que ao descanso, mais ligada ao aço do que à pena. Esse esforço gera uma energia extra no gaúcho escolhido pela natureza para defender-se mas que, por uma questão de princípios, é educado para o ataque.
Jorge Escosteguy tinha essa marca desde a infância. Sua sorte foi ter nascido em Livramento, terra de tradição jornalística, onde o principal veículo, A Platéia, acolheu-o cedo, abrindo a porta para que ele, um passional, pudesse desenvolver nas redações uma dureza rústica típica de sua terra. Por força do seu destino, aos poucos ele entregou-se à oscilação entre a rispidez e a amizade que regem as relações humanas nesta profissão demasiada humana.
Na medida em que foi mudando de emprego, em direção a Porto Alegre, Florianópolis, São Paulo, Rio de Janeiro ou o Nordeste, ele continuou lutando com essa divisão entre o coração e a couraça, na longa carreira e curta vida, bruscamente interrompidas por um enfarte, às vésperas de completar 50 anos. Seu ritmo era definido pela vontade de romper barreiras, como se obedecesse às batidas extras de uma válvula mitral prejudicada. Sua pressa era de quem procurava escapar do aviso permanente que vinha do peito. O corpo pedia prudência, mas a vocação apontava para o excesso.
Talvez viesse daí duas paixões, os cavalos e Charlie Parker. No Jocquey, ele encontrava a mesma velocidade que imprimia nas suas rotinas e, ao mesmo tempo, aprendia a conviver com o pique que o atormentava. E no jazz ele podia mergulhar num universo feito apenas de nervos estirados, fervilhando sob a beleza sonora que tinha o dom de criar equilíbrio e calma.
A paixão decisiva, o jornal diário, era o território dessa convivência entre opostos onde, por exemplo, o talento para o disfarce consegue duelar com a sinceridade crua. Assim, Scotch acabou assumindo as múltiplas faces que o jornalismo é capaz de formatar. Mas em todos os segmentos onde trabalhou - revista, assessoria de imprensa, televisão, campanha política - foi fiel ao tranco da notícia diária, imprevista, estressante. Nessa corrida, procurava escapar dos médicos, que o lembravam da mais áspera herança do pampa úmido e polar: as seqüelas da febre reumática.
A morte levou-o cedo, no auge da carreira. O coração, tantas vezes exigido, negou-lhe fogo uma única e definitiva vez. O corpo endurecido pela vida só podia cair assim de surpresa, num golpe súbito. Um cardíaco criado no pampa não pode dar-se ao luxo de entregar-se. Ele costuma estar na mira dos outros guerreiros, que ficam sempre de guarda.


Atenção: Recebi também mensagens de Ana Huffel, que é poeta, irmã do Marco Celso Viola, que continua oculto, e de Mônica Serrano, atualmente mergulhada numa monografia sobre jornalismo econômico. Como já anunciei aqui, todos os que enviaram mensagens (favoráveis) têm direito a um pastel de queijo da Pastelândia. É só apresentar o vale-Diário da Fonte que, pronto, sai na hora. Ou me convidar para uma rodada, que eu pago.

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