Nei Duclós
A moeda na economia brasileira é a dívida. Hoje vemos o alto
nível da inadimplência de uma sociedade endividada e sem fundos. No Império a
dívida era o escravo, que valia, cada “peça”, umas 40 cabeças de gado. Quem
manipulava esse mercado eram os “homens de grossa aventura”, como batizou o
acadêmico João Luis Ribeiro Fragoso, que detinham o mercado de produtos no
atacado e acumulavam a riqueza e a liquidez da nação, colocando os
latifundiários sob o jugo do endividamento, pois estes precisavam do escravo
para suas safras (que por sua vez eram comercializadas pelos detentores do
dinheiro).
A libertação dos escravos significava não apenas tirar os
fundamentos da lavoura e da colheita, como desestabilizar essa economia de
endividamento progressivo, que foi a causa da demora em obedecermos as
imposições da Inglaterra sobre o fim da escravidão. O parlamento do Império, ao
decretar, via princesa Isabel, a libertação dos escravos, tornou-se inimigo
tanto do latifúndio quanto dos donos do dinheiro, que viraram todos
republicanos.
Os abolicionistas, que corriam por fora pelo fim do hediondo
sistema, eram republicanos, mas os novos republicanos, empurrados pelo decreto
da princesa, não eram abolicionistas. O resultado foi o regime de escravidão do
trabalho dito “livre”, que perdurou até as leis trabalhistas, quando Vargas
decretou férias, jornada de oito horas, salário mínimo e estabilidade no
emprego depois de dez anos de carteira assinada. A Proclamação da República a
15 de novembro de 1889 foi então um golpe de estado cacifado pelos escravistas,
que usaram o republicanismo dos abolicionistas e a insatisfação do Exército
desde a primeira Questão Militar, quando teve origem o conflito entre a farda e
o terno.
Um conflito que ficou insolúvel a partir da Guerra do
Paraguai quando os civis monarquistas fizeram uma intervenção no Exército
sacrificado (cortando verbas e quadros) que voltara vitorioso para casa.
Tiveram o troco com a República. Os militares não eram republicanos, apenas
corporativistas. Tanto é que Deodoro gritou Viva o Imperador!, como sempre
fazia nas paradas militares, ao desencadear o golpe que depôs Dom Pedro II. O
grito do marechal foi abafado por uma salva de canhões ordenado pelo
abolicionista e professor militar Benjamin Constant. Houve também a
contribuição teórica, pois o Exército estava sob a influência positivista, uma
panaceia cientificista que prometia colocar ordem na bagunça social e política.
O Brasil é com-pli-ca-do, dizia meu professor István Jancsó,
da USP.
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