Nei Duclós
É o cinema que costura a memória e permite que possamos
intervir nela em favor das ações do presente. A partir de uma perda - a da mãe,
na infância - Amélie Poulain reúne pistas deixadas por parentes, amigos e
desconhecidos e para isso usa imagens do cinema, da publicidade, das revistas,
das vitrines, dos jardins, reconstruindo a história deixada pelos cacos
espalhados da sociedade do espetáculo e de sua manifestação mais intensa, a
Sétima Arte.
Assim se aproxima das pessoas, interferindo nos seus
hábitos, tirando-as da contemplação do passado e trazendo-as para dentro do
drama que se desenrola em todos os lugares, do metrô ao banheiro de casa. Tudo
feito com impiedoso lirismo, radical em sua solidariedade, buscando o sentido
que nos escapa na percepção partida em mil pedaços. .
Todo filme é sobre cinema. Amélie (2001) é um banquete dessa
máxima. Jean-Pierre Jeunet escreve e dirige e Audrey Tautou interpreta a garota
parisiense que interage de maneira surpreendente e bizarra com seus
contemporâneos de todas as idades. Uma saga fundada nos detalhes (a mão
prazerosa nos grãos), na narração em off (o romancista oculto), na humanidade
que se expressa e se revela por caricaturas, numa espécie de literatura visual
dos filmes antigos e dos comics, mas num tom clássico de contadores de
histórias.
Amélie repõe Paris no centro do imaginário do nosso tempo.
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