Nei Duclós
Indicado pelo professor Luiz Gonzaga Belluzzo, que era conselheiro
editorial da Senhor dos anos 80, revista dirigida por Mino Carta na Editora
Três, o acadêmico Marco Aurélio Garcia foi um dos resenhistas da seção de
Livros que foi criada e editada por mim por cinco anos.. Garcia era competente
e importante para nossa seção. Eu enviava, a seu pedido, os lançamentos de
História e ele distribuía entre os professores da Unicamp. Abastecia assim a
revista com textos (remunerados, além de o resenhista ganhar o livro de
presente, o que não acontecia na Veja, por exemplo, para a qual colaborei por
algum tempo). Garcia ajudava a preencher as muitas páginas que me cabia editar.
Nos entendíamos perfeitamente. Ele sempre gentil e atento. .
Outro âncora da seção era Fernando Homem de Melo, que
cuidava dos lançamentos de economia. Fazia a mesma coisa, repassava os títulos
para colegas acadêmicos. Na sociologia e na política tínhamos o dinamismo de
Maria Victoria Benevides e na filosofia o tímido e brilhante Luis Salinas
Fortes. Ambos faziam resenhas primorosas (Salinas ficava em dúvida sobre o
texto e me perguntava. Eu ria e publicava tudo na íntegra, obviamente. Salinas
é um dos mais celebrados acadêmicos de filosofia do país. Partiu cedo,
infelizmente). E havia ainda, em todas as edições, o Emir Sader, recém vindo do
exílio, magrinho e de bolsa a tiracolo e cabelo comprido.
Talvez esse tenha sido meu mais importante trabalho no
jornalismo, o de maior repercussão, pela qualidade dos colaboradores e também
pela maneira como eu editava, tratando Livros como se fosse uma seção de
Política e Economia (o que no fundo era), ou seja, com títulos e destaques de
primeiro caderno e não de periferia, de "entretenimento". A seção de
Livros era a Cultura da revista, assunto que não era abordado no resto da
publicação, focada em Política, Economia e Negócios.
Mino Carta não tinha planos para uma seção de livros.
Acontece que antes de ele chegar eu fechava a revista inteira, que era
quinzenal, como editor de texto do diretor dessa fase, meu querido e saudoso
amigo Mucio Borges da Fonseca ("vamos fechar, Nei Duclôs, vamos
fechar" dizia ele mudando a acentuação do meu nome, batendo palmas e
soprando as mãos de tanta ansiedade). Mino viu meu trabalho enquanto fazia a
transição para a Senhor semanal.
Eu tinha entrado em contato com as editoras importantes e
estava forrado de livros sérios, que não eram abordados pelos outros veículos,
que só cuidavam no geral de best- sellers e modinhas. O executivo da
Brasiliense, Luiz Schawarz (que a partir desse trabalho com Caio Graco fundou a
Companhia das Letras) veio me pedir espaço para que eu mandasse resenhar As
veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, que era best-seller (tinha
vendido 80 mil exemplares) e nem Folha, Estadão ou Globo tinham dado destaque. Escancarei a revista para Schwarz, mandando resenhar inúmeros lançamentos que ele editava na Brasiliense.
Mais tarde a Folha roubou alguns colaboradores e imitou um
pouco nossa seção. Saí da Senhor e fui para a IstoÉ para ser um dos editores de
Brasil. Mas a seção permaneceu até a Senhor ser engolida pela IstoÉ. Até hoje
desconfio que Mino não perdoou minha saída e fez a Três comprar o título rs.
Claro que não fui aproveitado. Sobrei. Quem manda ser ingrato.
Foi quando surgiu a provisória IstoÉ/Senhor. Hoje não temos
pistas dessa Senhor dos anos 1980, revista primorosa, impressa em papel bíblia,
que teve presença importante na chamada abertura. Mas nós, que carregamos
aquele piano, meia dúzia de abnegados, sabemos que ela existiu. A redação
ficava na sede da Três na rua Wliiam Speers na Lapa de Baixo. A foto dá uma
ideia do prédio detonado. Ali, com janelas emperradas, teto que chovia fuligem,
fazíamos a sofisticada Senhor. Coisas do Brasil. Eu ia de ônibus. Para chegar
no trabalho cruzava um túnel tenebroso para pedestres, sob a linha do trem.
Esta é uma profissão heróica.
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