13 de novembro de 2015

O DESAFIO DE SER BRASILEIRO



Num ambiente de esculacho permanente ao país, Miguel Lobato Duclós (1978-2015) procurava entender a sua pertença ao Brasil estudando os autores importantes, vasculhando pistas da nação aos pedaços e lançando luzes, por meio desse esforço árduo, sobre nossa formação e a atualidade de ser brasileiro. Transcendia o mero nacionalismo, pois não era xenófobo nem fundamentalista, mas um filósofo que tratava esse tema como os outros, um desafio para o conhecimento. No texto a seguir, ele resume alguns modelos interpretativos do lugar onde vivemos, por meio de seu texto claro e sua mente brilhante.

MODELOS INTERPRETATIVOS PARA A HISTÓRIA DO BRASIL

História do Brasil, Textos Introdutórios.



MIGUEL DUCLÓS

a) ROBERTO SIMONSEN foi um intelectual ligado ao meio empresarial e industrial paulista e à criação da Faculdade de Economia da USP. Dentro do seu contexto histórico, em que a soberania do país era tema de debate e ação política, desenvolveu um modelo explicativo para a história do Brasil que deu primazia à abordagem econômica, segundo ele, até então pouco explorada. No entanto, sua explanação buscou de certa forma justificar a economia brasileira, e especialmente paulista, voltada para a exportação para a metrópole, no entanto gerando riqueza para a colônia, com base nos precedentes históricos. Se mundialmente a abordagem marxista da história já havia feito essa virada, a abordagem de Simonsen retoma a problemática inspirando-se no trabalho de intelectuais liberais, especialmente ingleses e norte-americanos. O autor assume a explicação, então em voga, que diferencia as “colônias de provoamento” das “colônias de exploração”, sendo que o Brasil pertence a esse último grupo e também os principais “ciclos econômicos” que o Brasil passou, primeiro como colônia, e depois como nação, pau-brasil cana-de-açucar, mineração, café etc, em que cada ciclo tem um início, apogeu e decadência, sendo substituído por outro.

b) CAIO PRADO JR. Foi um intelectual paulista oriundo da elite cafeeira. No entanto, isso não o impediu de desenvolver uma visão crítica acerca desse meio e seu legado, assumindo uma visão influenciada por Marx e aplicando as ferramentas teóricas da historiografia marxista para formular os conceitos que ajudassem a entender o Brasil. Da mesma maneira que Simonsen, o seu recorte teórico dá primazia para a formação econômica do país, no entanto entendendo o resultado de forma mais crítica, ao resgatar o papel colonial do Brasil como parte indissociável da expansão européia e do “mercantilismo português”. O propósito de Caio Prado em seu clássico é encontrar uma linha-mestra que abranja os aspectos necessários para identificar uma “linha evolutiva” para a história do Brasil, sendo seu conceito uma unidade identificada dentro da diversidade de aspectos, fornecendo a estes o “sentido da colonização” que explique como o Brasil tornou-se o que é, com base na sua história econômica. A procura pelas causas do subdesenvolvimento entende o Brasil como estritamente ligado aos objetivos de exploração da Metrópole, considerando o desinteresse inicial como redundante do fato de não fornecer recursos minerais, como as colônias espanholas. O próprio Brasil é entendido como colônia de exploração num sentido forte, em que os objetivos de povoamento ou vida nativa eram bastante secundários, por isso, por sinal, o aprisionamento em relação à faixa litorânea em detrimento do interior, sendo que o próprio bandeiritismo teve o objetivo principal de encontrar os sonhados metais preciosos, depois da centralidade da economia agro-exportadora.

c) RAÍZES DO BRASIL é outro clássico fundamental da historiografia brasileira, escrito pelo professor e intelectual paulista SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA. Demonstrando uma erudição de fôlego, onde o texto é a parte clarificada de uma imensa pesquisa junto às fontes e suas interpretações, existem dois aspectos no modelo explicativo do autor que podem ser destacados, explicitados nos capítulos do “Homem Cordial” e “Ladrilhadores e semeadores”. No primeiro é apresentada uma hipótese para a difícil definição do homem brasileiro, dentro do problema maior de entender como o Brasil adotou as instituições européias num ambiente geograficamente e etnicamente muito distinto da Metropole, com a qual no entanto esteve sempre ligado. O “cordial” (do latim cord, coração). do epíteto foi sempre para o autor motivo de explicações posteriores e mal-entendidos, uma vez que não está necessariamente ligado ao seu caráter positivo ou sentido virtuoso, mas antes, evidencia a preponderância de elementos não-racionais ou emocionais na prática brasileira. Isso ficaria evidente como legado português quando o autor faz uma distinção com a américa espanhola, os “ladrilhadores” do outro capítulo, mais afeitos à racionalização, planejamento urbano das cidades, com suas quadras geométricas e paralelas, com largas calçadas, buscando atingir o interior ou criar uma vida nativa própria, com o estabelecimento de universidades. Os “semeadores” do mundo luso, pelo contrário, dificilmente distanciavam-se da ligação com o litoral e a marinha, a exportação e ligação com a Metrópole, alterando o meio aos poucos, sem o mesmo fôlego diretor, resolvendo muitas coisas de improviso ou em pequenos quinhões, com suas casas mal dispostas em vielas e servidões tortuosas, evidência do esforço individual ou familiar, encontrando-se no labirinto que formava o bem comum da vida colonial urbana. Tentando entender o homem brasileiro e fornecer-lhe uma identidade, diante do caldeirão étnico que constou na sua formação, Buarque pensa a realidade brasileira como resultado do chamado “milagre português”, ou como um reino pequeno e pobre conseguiu manobrar tão vasto império e fincar nova população em território descomunal, cobiçado por outros potências européias.

d) GILBERTO FREYRE foi um pensador pernambucano ligado à elite herdeira de um mundo colonial decadente, não a elite cafeeira paulista, como do marxista Caio Prado, mas a antiga oligarquia nordestina, que o autor pinta com cores positivas, sendo, apesar de fundamental e de grande alcance, muito criticado pelas interpretações mais críticas da realidade brasileira em outras escolas de pensamento do período. Seu modelo coloca os dois pólos como complementares, a Casa Grande, representante do patriarcado que respondia à Metrópole e a Senzala, necessária para a implementação e funcionamento dos engenhos e lavouras, onde habitavam os escravos. As relações da economia escravocrata voltada para uma cultura de exportação deram o tom definidor da sociedade brasileira. Um dos aspectos mais importantes é o da miscigenação, indicativo, para o autor, da possibilidade de existência de laços afetivos entre senhores e escravas, não somente num contexto de abuso e de opressão. Freyre utiliza os pressupostos do determinismo climático ao abordar a elasticidade e voluptuosidade da matriz européia lusa na sua relação com as outras duas raças num contexto de clima tropical que seria causa do fracasso dos empreendimentos de povos mais nórdicos em zonas não-temperadas. As teorias raciais e as explicações antropológicas da miscigenação tentam entender a complexidade da formação do povo brasileiro.

4) FERNANDO NOVAIS está ligado à tradição inaugurada pela abordagem marxista de Caio Prado Jr e seu “sentido da colonização”. Dessa forma, usa o instrumental teórico marxiststa de acordo com o cabedal de seus conceitos, pensando o modo de produção escravista do capitalismo mercantil no Antigo Regime, e as relações entre colônia e Metrópole indissociáveis do eixo maior do capitalismo mundial com centro na Europa Ocidental, que buscava desenvolver-se e enriquecer na sua própria base. Os ciclos econômicos, portanto, não atendem ao entendimento dessa realidade, pois não podem ser pensados num recorte interno, mesmo endossando-se sua relação com a Metrópole, mas antes, deve-se buscar entender a conjuntura político-econômica na sua inteireza, e o papel brasileiro – e latino-americano, como uma articulação dependente e subordinada à lógica própria externa à sua natureza.

Na crítica à abordagem de Novais, Fragoso e Florentino destacam-se ao argumentar que neste processo relacionado ao mercantilismo europeu, desenvolveu-se, todavia, um mercado interno. Ligado principalmente ao tráfico de escravos, com força própria, possibilitando-se a acumulação endógena, ou seja, dentro da dinâmica interna da colônia. Criticando o modelo do “sentido de colonização” causalista, ou teleológico e contrários à ideia de um exclusivismo metropolitano, Fragoso e Florentino defendem que a hierarquização social consequente da economia agrícola fundamentada no tráfico de escravos do mundo atlântico foi até mesmo necessária para a manutenção do Antigo Regime em Portugal, daí a ideia de um arcaísmo como projeto, sustentando um sistema quase estático na corte européia.

A abordagem busca conciliar os modelos explicativos de Caio Prado & Novais com a leitura crítica de Ciro Cardoso e seu modo de produção escravista colonial. A desigualdade social que é fator marcante da realidade brasileira teria assim explicada sua origem quando entendemos que a formação de uma elite colonial que explorava e ditava as regras da vida na periferia do capitalismo, associando-se à aristocracia européia. Porém, os problemas enfrentados na Metrópole também deram margem para que no cenário colonial, e especialmente no Rio de Janeiro, conforme a abordagem dos autores, esta elite aproveita-se dos seus privilégios políticos para ascender politica e economicamente conforme uma dinâmica relativamente autônoma e interna, independente da macro-política da economia capitalista no contexto mundial.”

Miguel Lobato Duclós, siga no link:

http://www.consciencia.org/modelos-interpretativos-para-a-historia-do-brasil

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS:

THOMAZ, L. F. De Ceuta a Timor. 2. ed.Algés: Difel, 1998.
GODELIER, M. O enigma do dom. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
FRAGOSO J. L.; Florentino, M. O arcaísmo como projeto. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema colonial (1777/1808) . São Paulo; Hucitec, 1985.
PRADO Jr, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo. Brasiliense, 1999.
SIMONSEN, Roberto C. História Econômica do Brasil (1500-1820). São Paulo: Comp. Ed.
Nacional,1978, p.269-302.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raíes do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 2006, THOMAZ, L. F. De Ceuta a Timor. 2. ed. Difel, 1998.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

ANDRADE, Leandro Braga de. A Historiografia sobre o debate acerca da economia colonial brasileira. http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab/h10_5.pdf Acesso em 05.12.2013
TEIXEIRA, Rodrigo Alves. Capital e colonização: a constituição da periferia do sistema capitalista mundial.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-41612006000300005 Acesso em 05.12.2013.
BERTOLI, André Luiz. Uma Leitura Possível da Crônica da Tomada de Ceuta, levando em conta a Representação do Infante D. Henrique nessa obra de Zurara. http://www.sociedadeemestudos.ufpr.br/atual/arquivos/bertoli%20pag%2089.pdf Acesso em 06.12.2013.

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