24 de agosto de 2012

SINTONIA VIGIADA



Nei Duclós

Foi de manhã que se soltaram todos os laços cortados à noite. Voaste para bem alto e depois voltaste lentamente para meu corpo.

Não quero te ferir, mas há o risco. Sou feito de espinhos e tua natureza é a seda. O bom é que aprendeste a nobre arte de dar uns murros. Assim nos mantemos em sintonia vigiada, belíssima.

Se quiser distância nem sequer tropece. Porque terás retaliação do teu objeto sem freio.

Não se aproxime do urso se ele estiver solto. Melhor ficar no conforto da tua gana remota.

Sei de onde tiro meu assíduo assédio sobre nosso jogo de pega e larga: das curvas que sugeres de longe, traiçoeira enjaulada.

Poesia é quando acordo com teu olhar saciado mas ainda guloso enquanto o amanhecer doura tuas rendas sobre a cama detonada.

Te acostumei à minha ausência. Depois me queixo.


DIVIDIR

Somei nossos momentos. Ficamos devendo.

Dividi tudo contigo. Disseste que eram só palavras. Peguei de volta.

Encerrei o expediente. Agora, em vez de poesia, contas.

O primeiro beijo é o primeiro encontro. O que veio antes não conta.

Estava passando aqui perto e lembrei que estavas longe.

Tenho até medo de dizer, mas o que sinto está ganhando um corpo físico, feito de nossos apertos em cantos, som de grudes, estalos de pêssegos, doce escorrendo. Parece loucura.

Foi tão perfeito que nos perguntamos o que fazíamos antes disso e porque custamos tanto a experimentar esse encaixe de íntimas sintonias

Puseste tudo no caldeirão mas esqueceste que és fada e o feitiço não funciona. És do sol, pátio luminoso da Lua nova. A noite te beija, por minha encomenda.

Nada vale o que dizes não fosse o mel que domina o coração ainda vivo.

Me chamas, me afogas, me acendes, me queimas. Tudo em ti é labareda, vulcão na correnteza.

A Lua Nova é o que restou de um mobile construído por algum deus com gana de seduzir a mais bela da terra. Ficou esse pingente no céu que volta sempre que existe esperança de um novo amor

Não posso mais abrir tua gaveta para tirar de lá os versos que te dediquei. Eles pertencem ao amor perdido. Preciso enxergar o que há de fervor na Lua Nova.

Fui deletando as mensagens como se estivesse rasgando as tuas cartas. Até que cheguei à primeira vez em que me disseste bom dia. Resolvi responder de novo.


RETORNO – Imagem desta edição: Rosie Huntington-Whiteley.