Nei Duclós
Amor é eterno quando não guardamos
para mais tarde.
Mergulhas na poesia sem levar
oxigênio. Depois pede respiração boca a boca.
Nos misturamos, escondida. Somos o
desvio da trilha, a meditação na beira do abismo. Levamos as mesmas palavras no
embornal da poesia. Tem gente que torce o nariz, mas os amantes recitam.
Estendida como um canteiro úmido de
fim de inverno, onde colho flor que sobrevive, quando exalas teu gemido.
Viajaste pelo mundo pelo gosto de
partir, mas eu fantasiei que me buscavas. Por isso te recebo em cada aeroporto
disfarçado de guia. Te levo para ver pirâmides, odalisca
Queria receber tua alegria de sair
de casa misturada à exaustão da viagem. Te colocar no conforto do amor que
guardo na bagagem.
A Lua Nova é redoma transparente de vidro que abriga uma
neve falsa, uma poeira estelar, um granizo fino. É como teu beijo, dançarina.
Acreditei em todas as tuas mentiras. Apostei no que sinto.
Transgressão consentida, que finge
resistência. Quando não há prejuízo, mas delírio.
Tiveste overdose de verso. Baixaste
hospital de caridade. Lá te disseram que o poeta não existia. Mais calma,
voltaste para minha cama.
Não guarde um urso na jaula. Ele
mastiga concreto.
FILME ANTIGO
Perdi a pressa faz tempo. Isso não
me torna lento. Meu ritmo é como carrossel de filme antigo, fixo na cena, mas
múltiplo na memória.
Só depois de perder a esperança
temos chance. É quando desarmamos o espírito blindado pela vaidade da
sobrevivência. Quando nos entregamos ao desfecho, como cai em si a supernova.
Não posso pegar carona no
entusiasmo. És sempre grave e sóbria como a caravana que cruza o deserto.
Recolho bandeiras diante do assombro do tempo
Deixei escorrer o tempo para ver o
que tinha no fim dele. Minhas mãos vazias, cheias de remorso. Teria sucumbido,
não fosse você desprezar a perda com palavras generosas.
A vida é um vírus oportunista no
mundo físico. Não era para existir no cosmo frio de pedras.
Há escritores com outras aventuras,
todos focados em seu ofício. Eu prefiro ficar à mercê dos teus domínios, musa.
Cuidado, depois de cada verso há uma
surpresa. Talvez seja o poeta fazendo o que não deve.
Sinceridade é como café forte: precisa de açúcar. Não para
adoçá-la, mas para que ouça uma segunda opinião sobre seu sabor
Deixo rastros no deserto. Siga as
pistas e descobrirás água, disse o peregrino.
A semana nos espreita na savana.
Somos o rebanho.
RETORNO – Imagem desta edição: Natalie Wood e Steve McQueen.