Nei Duclós
Agora chega de poses românticas Diga
a que veio, expedição no abismo.
Feita de vidro, como os perfumes, te
pus nos ombros com teus suspiros. Tenho bronze, carinho.
Mistura de amor e neblina,
tempestade de areia. Grãos e gotas formam tua fantasia de miçangas que imitam
poeira.
Só digo se for sincero, só falo se
vale a pena, só amo se houver perigo de decretar teu dilúvio na porção do
paraíso.
Viajaste pelo mundo pelo gosto de
partir, mas eu fantasiei que me buscavas. Por isso te recebo em cada aeroporto
disfarçado de guia. Te levo para ver pirâmides, odalisca.
Não precisas de nada por ser linda.
Disfarças com teu choro fingido de fada. Caio com gosto, patinho n´água.
O que mata é tua atenção distraída
em direção oposta ao que me deslumbra. Nunca deixarás de ser esse choque de
liquens.
A peça mínima marca o nível da
beleza no perfil da tua postura. Acima disso é estado de alerta.
Gostas quando falo em público.
Quando me aproximo para o sussurro, insistes em falar mais alto do que as
buzinas. Qual é a tua, capricho?
Faça um teste. Pense em me dizer
adeus, por exemplo. Depois se afaste alguns milimetros. Quero ver se aguento.
Cruzaste a ponte rígida que estendi
em tua direção. Demoraste não para me assustar, mas porque desmaiavas sem
resistência no meio da travessia.
Jamais duvide quando digo que és
minha. Mesmo que eu tenha partido para os confins. Fui em busca do que é mais
íntimo para dividir contigo.
Vire este rosto para quem te quis
desde o primeiro minuto. Amor à primeira vista
Virás me ver, flor do fim do
inverno? Estarei exausto, mas direi algo que te devasse inteira.
Estavas sozinha contando pedrinhas
enquanto o lago ria de ti. Vim do fundo e te trouxe junto, pertinha
Voltei e te vi conversando como se
nada tivesse acontecido. Não atentas para o molho perdido que ladra em teu
caminho.
INTENÇÕES
Se eu repetir um verso, é porque te
quero. Lembre disso
Não sabes minhas intenções. Adianto:
são as piores. Vamos para o próximo capítulo.
Deixei um recado em tua cama. Ele se
mexeu, mas não acordaste. Quando o sol estiver alto, ele vai virar um pássaro e
voar para longe.
O que conta é o dia seguinte, quando
te arrumas para ir-se definitivamente.
Quis te impressionar com a
sabedoria, mas lês nas entrelinhas, desvãos do saber que tenho e nem desconfio.
Quando desconfiam do que dizes,
esclareça que é aquilo mesmo que a pessoa entendeu. Queima etapas e economiza
tempo.
Perdemos tempo distraídos com diferenças.
Mas o que pega são as sintonias, espinha dorsal do convívio múltiplo, prazer da
nossa inteligência.
Estás acostumada aos meus exageros.
És abrigo do meu vento, barca prudente. Guardas meu impulso em teu seio
Te cantei em francês para ver se melhorava
a melodia. Acho que deu certo, vestida de flores.
NATUREZA
Era a ponta de uma nuvem superoposta
a outra, que refletia o último raio rosa do crepúsculo. Depois sumiu no cinza.
As nuvens se debruçam sobre nós.
Levam o céu oculto nas costas. Prendem as estrelas. E aproveitam o crepúsculo
para sugerir coisas
A natureza é sempre solene.
Aprendemos com quem a mesquinharia?
Hoje só tem natureza? disse ela,
trêmula, com crise de abstinência. É só uma chuva passageira, disse. Penso em
ti, molho de beijos.
Minha mensagem estacionou por dias
sem que viesses fazer a vistoria. Dormi ao volante e fui acordado pelo barulho
dos pássaros que te anunciam.
São só imagens, você disse,
deslumbrando a tarde com seu rosto de milagres.
RETORNO – Imagem desta edição: cena de The passionate friends, 1949, de David
Lean .