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14 de agosto de 2009
LER JORNAL
Nei Duclós
Jornal dá preguiça. Pegar o touro a unha, ou seja, atacar logo as manchetes, provoca baixas de leitura na primeira linha. A maioria das hardnews já são conhecidas e os jornais apenas se limitam a empilhar mais alguns parágrafos e cair nas novas armadilhas, como a invenção de transformar insucesso da reportagem em reportagem (“procurado, fulano de tal não retornou os telefonemas”). Desde quando rotina de repórter é notícia? É a mania do “outro lado”. A mídia publica um lado só, o outro fica mudo ou é coadjuvante (na televisão, é aquele plus narrado pelo apresentador com a cara de isenção democrática). Faça a reportagem sem culpa.
Sobram as notícias mais quentes, como a morte de Les Pauls, inventor da guitarra, ou a entrevista, ótima, de Ruy Castro na Folha, gravada durante o lanaçamento do seu livro, O Leitor Apaixonado, que é uma coletânea de crônicas escritas para jornal. Como estou preparando meu segundo volume de crônicas (o primeiro é O Refúgio do príncipe, já leu, já comprou?), e como gosto muito do trabalho de Ruy Castro, vi até o fim. Ele diz coisas impossíveis. Não tem facebook, nem Orkut (eu tenho) e nem celular (esse dispensei faz tempo). Não bate boca com leitor porque...leitor lê e escritor escreve! “Se eu for ler o que o leitor me escreve, então os papéis se invertem”. Poderia soar antipático. Mas Ruy, que escreve o fino, e bate na draconiana lei anti-fumo em São Paulo, pode.
Claro, dirão, você se interessa por matérias culturais, porque é poeta. Picas. Aqui no DF bato firme em política e economia, trabalhei vinte anos em jornalismo voltado para os negócios (Fiesp, Sala do Empresário, Visão, assessorias de imprensa etc.). É que os editores, concentrados em aborrecer o leitor, deixam escapar algumas notícias boas de ler. Tudo bem, é importante saber que o Lula liberou a bufunfa para mais publicidade, passagens, mordomias em geral, sob o álibi de que assim poderá desengessar obras sociais (ah ah ah). Mas não preciso mais do que três linhas para adivinhar o resto.
Quem duvida que a ministra (que parece produto de computação gráfica, daqueles programas que colocam peruca em cima de bonecos animados) pediu para a distinta senhora da Receita, pessoa séria e competente, apressar a investigação sobre Sarney, ou seja, arquivá-la? Então por que ficam nesse disse-me-disse? Agora querem ver as imagens dos corredores e salas. Tenham dó. Basta olhar para cada uma e tirar a conclusão. Uma está mentindo e a outra não.
Em geral, o noticiário é uma piada. Veja essa: “A Kia do Brasil pagou cerca de R$ 300mil para ocupar um espaço (quatro minutos e trinta e cinco segundos) no Auto Esporte do último domingo”, informa Daniel Castro na Folha. “A Kia confirmou que o material exibido foi um publieditorial. A Globo informou à coluna que não veicula matéria paga e que vendeu uma ação de product placement". Então tá. A velha matéria paga, o contrabando publicitário no corpo editorial, é agora product placement. Senhores da Kia: eu cobro menos. Faço um test drive e publico aqui, de maneira casual e detalhada, como é bom Kiar por aí.
No product placement (gostei!) de um livro da Folha sobre a dieta correta (mais uma), tem uma receita para emagrecer que é “ovos mexidos de microondas, torrada integral e suco de tomate”. Como nunca usei essa joça, me pergunto: o que será ou que gosto terá um ovo mexido no microondas? E tomate deixou de ser molho, agora é suco (eu sei, eu sei, é implicância!)? E se eu comer esse troço, perco minhas toneladas? Pior que isso é a outra receita, “macarrão com brócolis”.
Um dia vou descobrir de onde vem a força da máfia do brócolis. Costumava ir a cantinas em São Paulo, quando eu fazia parte da classe média e todos os pratos tinham brócolis. Eu insistia em algum sem o terrível acepipe. Não tinha. Então eu pedia um cabrito, sei lá, mas sem o brócolis. Eles anotavam diretinho e, surpresa! lá vinha o brócolis, hegemônico, como selva tomando conta da travessa. O pobre do cabrito estava enfurnado em algumas daquelas ramagens asquerosas, que tem gosto de isopor.
Na frente da televisão, os jornais são de matar. Uma matéria sobre os novos hábitos higiênicos e saudáveis provocados pela pandemia mostrou uma senhora muito gorda ensinando como se espirra hoje. Colocando o cotovelo na frente do nariz e não a mão! Juro que vi isso. Desliguei o aparelho, como se diz, e fui ler o livro que atualmente me encanta e que vou resenhar daqui a alguns dias. É a única saída. O livro.
E, claro, um bloguinho diariamente. Na blogsofera, o do Virson está bombando muito, o deolhonacapital convidou o Mario Medaglia, do Batendo Forte, para fazer parte do time, o do Renzo Mora cada vez mais esclarecedor sobre culturas, tendências, comportamentos e deboches corrosivos em geral, o do ducsamsterdm dando show de informação e atraindo multidões de leitores, o blog do Miguel cheio de posts ótimos e com cada vez mais visitas, o freakmothers de Juliana Duclós com grandes insights sobre a infância e as artes, os enciclopédicos FériasFloripa e Nadaaver sendo copiados cada vez mais (uma hora eu entrego quem) e acessados como nunca, o do Álvaro Faria contundente em seu poetar continuo, o do Sergio Rubim denso de boas informações e ainda por cima um especial sobre 170 anos de fotografia etc. Todos esses blogs estão linkados aí ao lado.
Pensando bem, blog dá de dez em jornal. E se jornal publicar algo que preste, a gente vê primeiro num desses blogs. Jornalistas, caprichem. Está na hora de escrever melhor, trabalhar com mais competência e principalmente deixarem de ser sempre os Mesmos.
RETORNO - Imagem desta edição: Orson Welles em Cidadão Kane, o poder corrompido dos monopólios de informação minando as bases da convivência democrática. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
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