26 de agosto de 2009

A BOMBA TERCEIRIZADA


Nei Duclós

Quando o departamento de Estado americano se deu conta, o sol já estava alto. A pequena república de Zilteist, encravada no centro da Europa, enriquecera tanto com o comércio de supérfluos, por meio de agressivos corretores de bolsas espalhados pelos principais centros econômicos globalizados, que era proprietária de uma bomba nuclear. Uma não, uma série inteira de artefatos. Como acontecera isso, como deixaram que essa situação se instalasse no miolo da crise internacional? Simples. Graças a investimentos em ações disponíveis no mercado, de firmas que faziam a manutenção das bombas e que repassam direitos de propriedade sobre os objetos sob sua jurisdição (conseguida na base do leasing) para quem os enchesse de grana. Essa era a pior notícia: as bombas em questão eram americanas. Ou seja, os especuladores de Zilteist detinham o poder sobre as bombas nucleares instaladas em território estadounidense.

- Quer dizer então que, se eles quiserem detonar Washington, podem?, perguntou, aos berros, o general George Swann Bilboard, encarregado dos negócios relacionados com a energia nuclear.
- Em princípio, sim, respondeu o burocrata Down Below, que cuidava do cerimonial da Casa Branca e enfeixava poderes inusitados, inclusive esse, o de participar de uma reunião da alta cúpula da Segurança imperial. Tudo o que se relacionasse a dinheiro, juros, lucros, no mundo todo, passava pelo crivo de Below.
- Que princípio é esse, posso saber?
- O do direito à propriedade privada, disse o rotundo burocrata, que para irritar ainda mais o general, usava gravata borboleta.

- Então, disse o general se aproximando perigosamente do gordinho, se sua mãe estivesse correndo perigo à luz disso que você chama de princípio, você continuaria sentado com essa cara de pasta de amendoim?

Era uma estocada na cor da pele de Below, tido como afro-descendente, coisa que ele negava de pés juntos, dizendo que sua cor de azeitona vinha de ancestrais italianos (tinha um Cavalieri sumido entre uns primos do seu tataravô, pelo lado materno).
- Não tenho mãe, disse Below, mas logo se arrependeu. Não tenho mais mãe, quis dizer.
- Não precisa explicar, disse o general, gente que não sente que uma bomba na mão dos estrangeiros é um perigo não deve mesmo ter mãe.

O presidente americano, presente à reunião, suspirou. Aquelas reuniões eram chatas. Gostava de dizer piadas em público, se rodear de jornalistas, tirar férias, verificar os índices de aprovação. Jamais ter de enfrentar um pepino daqueles. Caucasianos ferrenhos detendo todos os direitos de acionar bombas no próprio solo americano. Isso sim era um problema. Precisava agir:
- General, essas bombas que Zilteist tem, são de verdade?
O general ficou lívido. Um frio percorreu sua espinha. Começou lá embaixo, subiu pela coluna e rebateu na nuca. Chamam isso de brio.
- Como assim, Sr. Presidente?

- Veja bem, continuou o estadista. Descobrimos muito tarde que aquelas ogivas que os russos desfilavam em carro aberto não tinham nada dentro. Será que não deveríamos usar o mesmo expediente?
- Claro que não, Sr. Presidente. Somos americanos. É diferente.
- Entendo, meu general, mas não poderíamos então esvaziar essas bombas que são de propriedade deles e obrigá-los a carregar as cascas?
- O Sr. diz, entregar nossos mísseis, com toda a tecnologia embutida, com ogivas falsas e arrostar um processo liderado pela ONU?, perguntou, alarmado, interferindo onde não era chamado, o gordinho Below.
- Então, qual é a solução? perguntou, bocejando, o presidente.

“Posso dar uma sugestão?”, disse, esfregando as mãos, o professor doutor em economia e estrategista Bill Proudham. “Não”, respondeu o general, que já conhecia aquela mente atrapalhada. “Vamos ouvi-lo, general, “ disse o presidente, pensando no lanche dali a pouco. “É o seguinte”, disse Proudham, servindo-se de uma batatinha crocante que jazia na mesa havia alguns dias (não havia faxineira na sala de reunião da Segurança Nacional). “Vamos comprar Zilteist e anexá-la ao principado de Mônaco. Conhecemos seus venais governantes, vivem comendo da mão dos altos especuladores. Basta fazê-los aprovar algumas leis e a propriedade das bombas será estatizada. Aí compramos o país, o incluímos nas corridas de Fórmula 1 e às visitas ao palácio onde a Grace Kelly guardou sua estonteante beleza e pronto”.

O general estava verde de fúria. Todas as reuniões da Segurança acabavam com alguma sugestão medonha por parte de um civil. Mas o presidente colocou água fria na fervura do general: “Combinado, Proudham, acho a idéia boa. Mas só se ela for liderada pelo nosso general aqui. Terá plenos poderes para fazer a transação e vamos liberar um trilhão de dólares para isso ser levado a bom termo. O general poderá ficar com um por cento dos montante. O que acha general? “

Mas o grande militar já não escutava mais. Estava sonhando com uma boa pescaria nos lagos canadenses, com tralhas de última geração, rodeado de garotas recrutas da Marinha. “Aceito”, disse. “Vamos fazer isso. Meu primeiro passo será evitar que as bombas façam parte do mercado de ações”. “Mas meu general”, disse Below, quase gargalhando. “Sem ação, como faremos a guerra? Imobilizados?”

O trocadilho infame acabou com a reunião. Proudham corria ao banheiro, pois a batatinha já fazia efeito.

RETORNO - Imagem desta edição: Grace Kelly.

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