11 de novembro de 2007

EM BUSCA DE PERSONAGENS


A apresentadora do programa esportivo e a atleta de saltos ornamentais ficam fazendo gracinhas em frente as câmaras. Dão risotinhas, fingem corridinhas e mastigam alguma coisa. Há uma certeza na mídia de que o público adora ver jornalista e celebridade dando trabalho aos dentes e deglutindo. O motivo é simples. Os esportes fazem parte da grande maracutaia do patrocínio subsidiado das grandes empresas, que assim pagam publicidade com dinheiro público. Não importa a informação, o que vale é mostrar a logomarca, grudada em camisetas, shorts, meias, calçados.

Nesse cenário de irreal valor, sobram expressões como “melhor do mundo”. Notaram como sempre tem alguém melhor do mundo? E o pior é que dizem eternamente que Falcão é o maior jogador do mundo de futsal e assim por diante. Porque Fulano, o melhor do mundo. São as trombetas do marketing. O tempo que se gasta reiterando a presença de tanto sovaco suado é de amargar. E o "Imperador"? O coitado do jogador que caiu na balada quer "voltar a reinar". Inventaram um Império para Adriano, que caiu do pódio. Deixem o sujeito jogar, sem cercá-lo de expectativas frustrantes.

Depois fazem óóós de espanto quando tem algum caso de doping. Queriam o quê? Criam um ambiente de exclusão, de hierarquia, de pirâmide social entre os melhores do mundo e o resto, e aí, pronto: sempre vai ter esse expediente maroto de driblar os juízes e a multidão que aplaude para ser vista em casa (“Galvão, filma eu!”). A mídia cria desesperadamente personagens sem querer investigar nada, sem fazer jornalismo. É para embalar o “conteúdo” (que nada mais é do que o acerto entre a publicidade e os jornalistas). Como não há mais jornalismo, e o leitor só paga quando há reportagens, então sobram jornais gratuitos. Tem cada vez mais jornal de graça. Publicidade, em forma de matéria ou não, tem que ser distribuída. Já está paga.

Disso ninguém reclama. É “normal”. Mas quando um cineasta acerta na veia e faz um filme maravilhoso, com personagens verossímeis e encantadores, então é hora de cair de pau em cima de dele. É porque ele não “inova”, ou “dá o que o público quer”. Quando Silvio Soldini lançou “Pão e Tulipas” em 2000, o público lotou os cinemas. Os pseudo-inovadores de plantão viram apenas estereótipos, personagens falsos. O filme é magnífico (feito com dinheiro público, pois o roteiro foi considerado de interesse nacional). Não se trata da dona de casa que abandona família para viver um grande amor, isso é leitura torpe de quem vê apenas o que quer confirmar na sua cabecinha de porongo.

Cinema é outra coisa. Cercada pela pobreza estética globalizada (as roupas da família que a despreza, os móveis da casa sem alma, os monumentos das viagens turísticas mentirosas) a protagonista se refugia num ambiente clássico (a Veneza popular, não turística, dos becos, da umidade colorida, da classe média despossuída) para encontrar objetos que resgatam sua infância (o acordeon), afazeres poéticos (a loja de jardinagem), o pouso amoroso (o quarto de despejo do garçom suicida). A vizinha massagista, o detetive encanador, o lojista erudito são personagens da sua nova vida que a cercam e a afastam do marido neurastênico, dos filhos vazios, das amigas traidoras.

Onde está o crime neste filme primoroso? Um crítico sustentou a tese de que nunca o cinema apresentou tanta gente feia. O cara deve ser um espanto narcisístico. A ótima Licia Maglietta e o antológico Bruno Ganz, festejado ator europeu de cinema e teatro, são presenças marcantes neste filme enxuto e emocionante. Mas é porque querem “o novo”. Quando o novo vem com força, não só desprezam, como matam o autor. O que fizeram com Glauber?

Esses temas, o novo e o belo, foram assunto para caloroso debate sobre poesia na mesa redonda da Feira do Livro na sexta-feira. Participei da mesa, formada por Marco Celso Viola e Dilan Machado. Lá estiveram vários poetas e ainda meu antigo amigo Paulo Loguércio, que eu não via desde os anos 60. Lembrei ao Paulo algumas músicas que fizemos juntos e que ele esqueceu. Ingrato compositor! Mas fiquei feliz em vê-lo bem, orgulhoso dos filhos artistas, músicos e compositores.

Esse foi um do grandes momentos da minha passagem por Porto Alegre, a Cidade da Cultura, que encerrou mais uma Feira do Livro neste domingo. Agradeço à Câmara Riograndense do Livro, que me garantiu uma estadia de príncipe, e que, junto com editora Record, me proporcionou viagem de avião, ida e volta. Teremos mais Feira, claro, nos próximos posts. Nem falei ainda do encontro com Tabajara Ruas, Marcio Pinheiro e David Toscana, para sala lotada, na quinta-feira, dia 8. Nem de minhas conversas com o amável Rubens Ewald Filho, que viajou para lançar seu livro sobre cinema e gastronomia. Nem falei sobre Miguel Ramos, o maior ator do Brasil, que compareceu aos eventos com sua atenção, seu entusiasmo e sua força.

São muitas as personagens e as cenas vividas durante dois dias em Porto Alegre, a Cidade da Cultura.

RETORNO - Imagem de Hoje: cena de "Pão e Tulipas", de Silvio Soldini, com Bruno Ganz e Licia Maglietta.

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