Há uma overdose da frase “é a economia, estúpido”, originalmente dita por um assessor de Clinton na campanha contra o Bush pai. O assessor explicava que a economia era definitiva na política, ou algo assim, e por isso decifrava os eventos fundamentais da vida americana e mundial. Só uma besta para não perceber isso, dizia nas entrelinhas. Milhares de versões dessa frase se reproduziram infinitamente por todas as mídias, pois nada mais agradável do que chamar os outros de estúpidos. Serve para destacar a auto-imagem, a onisciência, contra a obtusidade alheia. Todos se acham no direito de usar a frase, pois as manifestações do pensamento hoje são pautadas pelo xingamento.
As frases contundentes, que possuem o charme de impactar o interlocutor, perdem o brilho pela repetição, mas a reiteração apenas revela o vazio que elas representam. Não são mais as leituras que definem os debates, as vidas ou as memórias. São as quinquilharias da indústria do entretenimento. As pessoas sentem saudades do Topo Gigio, ou do primeiro skate, ou da Disneylândia, ou da série Perdidos no Espaço, ou da Jovem Guarda ou da Legião Urbana. Mas não podem sentir saudades do primeiro livro, pois ele não existe mais como vivência dos primeiros anos de vida.
A leitura não se presta mais à memória, porque sumiu há décadas. Como não há mais leitura de verdade (diária, intensa, pela vida afora), pelo menos a leitura de grandes escritores, então há uma dependência de frases ferinas, cheias de veneno e que passam o atestado de inteligência e criatividade para seus "descobridores". A tragédia é que não se dão conta que a grande tirada perdeu a força, como provou a frase “toda unanimidade é burra”, atribuída ao Nelson Rodrigues, que se transformou na própria burrice da unanimidade.
“Eles passarão, eu passarinho”, verso de Mario Quintana, foi tão explorado que se formou uma legião de passarões/passarinhos poéticos, pessoas que, de poesia, só conhecem isso. É uma injustiça a Quintana que tem inúmeros versos maravilhosos, mas é assim que funciona. Mesmar (se é que existe tal verbo) sobre as coisas é a palavra de ordem. O pior é a cara de inteligente que as pessoas fazem depois de cair num lugar comum.
No mundo corporativo, foi além da conta a história de que crise e oportunidade estão incluídas no mesmo ideograma chinês. Ouvi e li isso milhões de vezes, em artigos, palestras e livros, sempre dito de maneira que parecesse uma grande novidade, uma grande sacada. Crise é o seguinte: você se fode, entende? É a oportunidade de você ficar puto e não de dar a volta por cima. Você acaba vencendo não porque teve a crise, mas porque precisa sobreviver, seguir adiante e esquecer aquela crise filha da puta, não é mesmo? Você vence porque não é o imbecil que todos pintam.
Então chega disso. Não devemos nos mirar em sabedorias milenares chinesas, haja visto o que a China faz com as criancinhas, inventando brinquedos que matam para dar lucro. Nas consultorias isso virou conversa para empreendedor dormir. O cara investe a poupança de duas vidas, monta uma birosca, quer que tudo seja oficializado, paga os tubos de juros e impostos, vem um concorrente e leva a freguesia (competitivo o cacete, isso é malandragem e predadorismo) e ainda tem que aturar o consultor dizer que ele não se preparou, a culpa é dele, que a crise deve ser aproveitada para criar oportunidade, porque os chineses...Precisa jogar um pacote de merda em pó industrializada na China na cara do sujeito.
Outra coisa que explode o saco é esse negócio de que a realidade é mais incrível do que a ficção. O que chamam de realidade, reportada nos jornais e televisões, é pura ficção. É por isso que a literatura se volta cada vez mais para a verdade. Não a “verdade” confundida com a realidade ficcional do noticiário, mas a verdade que nos faz menos idiotas e burros, que nos livra das armadilhas da babaquice metida a correta, que nos devolve o humor e que nos dá força para continuar cagando em cima de tanta asneira que despejam por todo o canto.
Se um repórter de televisão vier fazer gracinha perto de mim com essas historinhas humanas que entopem os programas, dou-lhe uma chapuletada. Se você não souber o que é chapuleta, merece uma na oreia. Mas não fique em crise. Levar uma chapuletada é a oportunidade de não dizer besteira. Eles passarão, você (hummm) passarinho.
RETORNO – 1. Imagem de hoje: o tal ideograma chinês que coloca no mesmo saco crise e oportunidade. Haja. 2. Mudei o título, que estava muito parecido com o do outro post.
As frases contundentes, que possuem o charme de impactar o interlocutor, perdem o brilho pela repetição, mas a reiteração apenas revela o vazio que elas representam. Não são mais as leituras que definem os debates, as vidas ou as memórias. São as quinquilharias da indústria do entretenimento. As pessoas sentem saudades do Topo Gigio, ou do primeiro skate, ou da Disneylândia, ou da série Perdidos no Espaço, ou da Jovem Guarda ou da Legião Urbana. Mas não podem sentir saudades do primeiro livro, pois ele não existe mais como vivência dos primeiros anos de vida.
A leitura não se presta mais à memória, porque sumiu há décadas. Como não há mais leitura de verdade (diária, intensa, pela vida afora), pelo menos a leitura de grandes escritores, então há uma dependência de frases ferinas, cheias de veneno e que passam o atestado de inteligência e criatividade para seus "descobridores". A tragédia é que não se dão conta que a grande tirada perdeu a força, como provou a frase “toda unanimidade é burra”, atribuída ao Nelson Rodrigues, que se transformou na própria burrice da unanimidade.
“Eles passarão, eu passarinho”, verso de Mario Quintana, foi tão explorado que se formou uma legião de passarões/passarinhos poéticos, pessoas que, de poesia, só conhecem isso. É uma injustiça a Quintana que tem inúmeros versos maravilhosos, mas é assim que funciona. Mesmar (se é que existe tal verbo) sobre as coisas é a palavra de ordem. O pior é a cara de inteligente que as pessoas fazem depois de cair num lugar comum.
No mundo corporativo, foi além da conta a história de que crise e oportunidade estão incluídas no mesmo ideograma chinês. Ouvi e li isso milhões de vezes, em artigos, palestras e livros, sempre dito de maneira que parecesse uma grande novidade, uma grande sacada. Crise é o seguinte: você se fode, entende? É a oportunidade de você ficar puto e não de dar a volta por cima. Você acaba vencendo não porque teve a crise, mas porque precisa sobreviver, seguir adiante e esquecer aquela crise filha da puta, não é mesmo? Você vence porque não é o imbecil que todos pintam.
Então chega disso. Não devemos nos mirar em sabedorias milenares chinesas, haja visto o que a China faz com as criancinhas, inventando brinquedos que matam para dar lucro. Nas consultorias isso virou conversa para empreendedor dormir. O cara investe a poupança de duas vidas, monta uma birosca, quer que tudo seja oficializado, paga os tubos de juros e impostos, vem um concorrente e leva a freguesia (competitivo o cacete, isso é malandragem e predadorismo) e ainda tem que aturar o consultor dizer que ele não se preparou, a culpa é dele, que a crise deve ser aproveitada para criar oportunidade, porque os chineses...Precisa jogar um pacote de merda em pó industrializada na China na cara do sujeito.
Outra coisa que explode o saco é esse negócio de que a realidade é mais incrível do que a ficção. O que chamam de realidade, reportada nos jornais e televisões, é pura ficção. É por isso que a literatura se volta cada vez mais para a verdade. Não a “verdade” confundida com a realidade ficcional do noticiário, mas a verdade que nos faz menos idiotas e burros, que nos livra das armadilhas da babaquice metida a correta, que nos devolve o humor e que nos dá força para continuar cagando em cima de tanta asneira que despejam por todo o canto.
Se um repórter de televisão vier fazer gracinha perto de mim com essas historinhas humanas que entopem os programas, dou-lhe uma chapuletada. Se você não souber o que é chapuleta, merece uma na oreia. Mas não fique em crise. Levar uma chapuletada é a oportunidade de não dizer besteira. Eles passarão, você (hummm) passarinho.
RETORNO – 1. Imagem de hoje: o tal ideograma chinês que coloca no mesmo saco crise e oportunidade. Haja. 2. Mudei o título, que estava muito parecido com o do outro post.
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