26 de novembro de 2007

UMA CHAMA NO CORAÇÃO


Reproduzo aqui meu prefácio para o livro de Moacir Bastiani, uruguaianense e nosso amigo, conterrâneo e colega dos tempos do colégio Santana, sobre a peregrinação que fez em 2004 para comemorar o centenário dessa magnífica instituição marista na fronteira. No ano seguinte, em 2005, Bastiani homenageou Leonel Brizola, que tinha conseguido para ele uma bolsa de estudos que permitiram que continuasse com sua formação, indo a pé até São Borja. Queria fazer uma outra, até Buenos Aires, para homenagear Eva Perón.

Foi um engenheiro exemplar e aposentou-se, quando então começou a se dedicar a grandes caminhadas. Um ataque cardíaco levou Moacir Bastiani recentemente do nosso convívio. Lembro do entusiasmo com que me falou do seu livro, quando veio me visitar aqui em Florianópolis com os originais para eu ler antes de publicar, manifestando assim sua consideração por mim, que há tanto tempo não o via.

Coloco abaixo o prefácio, acompanhado por esta foto magnífica de Irene Schmidt, tremenda fotógrafa gaúcha (tinha dito que ela era do Rio de Janeiro, mas me enganei, nasceu no Rio Grande do Sul) que nos deslumbra com seu talento e seu olhar pleno de magia.

Este é o livro pessoal de uma Peregrinação coletiva. Ao assumir a tarefa de percorrer a pé 640 quilômetros entre o colégio dos seus filhos, o Rosário de Porto Alegre, e o colégio da sua vida, o Santana de Uruguaiana, Moacir Bastiani levou consigo não só sua geração, mas toda uma população identificada com os mesmos ideais. Trata-se de um relato direto, que pela sua objetividade nos surpreende com a carga de emoção que transmite. Esse é o recurso dos textos escritos com sinceridade: o de chegar ao ponto sem ter outra intenção do que deixar um testemunho.

A palavra do autor anda pelo território da Pátria sem a cerimônia dos eventos cívicos, mas carregado da essência que gera as comemorações legítimas. A História se faz ao andar e dar sua própria versão é a tarefa obrigatória de quem sabe que viver é preciso, mas navegar no trabalho de resgatar cada passo da vivência define o perfil da vida verdadeira que é legada para os semelhantes. Por ser profundamente identificado com a religião católica, Moacir Bastiani não cai na armadilha do fundamentalismo. Seu relato é ecumênico e a todos congrega, transmitindo não apenas emoção, mas também revolta quando necessária, colocando não apenas sua trajetória, mas a extensa teia que o une aos seus contemporâneos, familiares, colegas, professores, amigos.

Assim se constrói a cidadania: o agradecido aluno que volta cinqüenta anos depois para homenagear o colégio que o formou é a marca de uma vontade única, que conforta pela sua mensagem, que envolve pela saga, e que nos conquista pela aventura bem sucedida, símbolo de uma vida cheia de vitórias. Não há como escapar desse sopro de luz que vem da caminhada de um brasileiro em direção à Memória. Não há como não se deixar levar pelos pés que sabem o tamanho da empreitada, mas não desistem porque receberam, muito cedo, as lições fundamentais que fazem de uma criatura um ser consciente da sua própria imortalidade.

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