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17 de outubro de 2006
O SECULAR ASPIRA AO SAGRADO
O que falta à desconstrução dos mitos, à denúncia das instituições, à oposição às tradições? Falta exatamente o que eles mais querem atingir, a sacralização. Substituir a estátua de Lênin pelo símbolo do McDonald significa transferir a fé na revolução pela fé no mercado. O filme O Código Da Vinci, de Ron Howard, que chega agora às locadoras, toca nessa necessidade de a transgressão aspirar ao mesmo carisma da Igreja que combate. E é por isso que Tom Hanks se ajoelha no final do filme numa nova catedral, o Louvre, que assume o posto do Vaticano.
A chave para colocar Maria Madalena no lugar do Papa é uma linhagem de segredos manipulados pela metodologia de um autor que teve seu insigh lendo um best-seller de Sidney Sheldon. Ei, eu posso fazer isso, disse Dan Brown quando não conseguiu mais desgrudar daquele livro em suas férias no Tahiti em 1994. Com sua versão sobre o império católico (do qual o império americano sente a maior inveja, tanto é que vive combatendo) ele conseguiu sensibilizar as massas. Estas, precisam sentir que podem ter acesso à erudição que não possuem para vingar-se das trevas do conhecimento para onde foram atiradas.
TOM - O filme traz uma armadilha: Tom Hanks. É o seguinte: se Tom Hanks faz um filme (antes de sabermos sobre a existência dos diretores, achávamos que eram os atores que faziam os filmes; estaríamos certos?), você vai lá e assiste. Tom Hanks é o ator do nosso tempo. Não que seja o melhor, mas para ele conflui, milagrosamente, como aconteceu com outros em épocas passadas (Errol Flyn, John Wayne) tudo o que somos ou queremos ser. É impressionante. Tom Hanks leva nosso olhar por uma trama inverossímel emprestando-lhe a própria credibilidade. Se Tom é o especialista, então algo tem aí. Se ele escuta, e como escuta, o velho aleijado que tudo sabe sobre o Santo Graal, então devemos também escutar essa história. Se Tom olha para um quadro de Da Vinci e descobre o segredo, então para nós o segredo é revelado. Tudo funciona com o maravilhoso ator, não me perguntem porquê. Talvez nem se trate de talento ou técnica, mas simplesmente de mistério. No fundo, podemos saber tudo sobre Da Vinci, mas nada sobre os milagres que Tom opera na tela.
SANTAS - Vendo o filme, descobri a força da história e o magnetismo que exerce sobre os leitores do mundo todo, especialmente no Brasil, onde Dan Brown fatura mais do que todos os outros escritores brasileiros juntos (menos, talvez, do que o Paulo Coelho). Primeiro, propõe uma leitura diferente de obras consagradas, o que toca na vaidade do consumidor, que assim pode usufruir de algo que escapava à sabedoria que o exclui. Segundo, massageia o ego do feminismo, ao tapar o sol com a peneira, ou seja, ao entronizar Maria Madalena em detrimento de Maria, Mãe de Jesus. Como se o feminino tivesse sido erradicado da Igreja e agora, graças aos movimentos das mulheres, ele volta para ocupar seu verdadeiro lugar na cadeira de Pedro (o que sintoniza essa falsa revelação à nova moda de que Deus, em vez de homem, é mulher; bem...). Para isso, usa-se o de sempre: a caça às bruxas. Nenhum outro poder cometeu atrocidades, só o da Igreja Católica, claro. E perseguiu bruxas porque odiava o feminino, o que é uma asneira. Se fosse assim, não haveriam santas no catolicismo. Terceiro, convence que Jesus era um cara qualquer, que até fazia filho em sua amada e não o que é mesmo, a encarnação do Sagrado, que a secularização inveja.
OBSCURANTISMO - A Opus Dei foi escolhida pelo seu currículo. Sintetiza as seitas secretas que dominam a literatura de suspense. Está na berlinda pela preferência dada pelo novo Papa, Bento XVI, que foi escolhido exatamente para dar um chega para lá no avanço da secularização sobre o sagrado. Está ligada ao reacionarismo, tanto é que basta mencionar Opus Dei para os índices de Alckmin caírem nas pesquisas. Vi um brilhante professor, Carlos Alberto di Franco, ser perseguido por pertencer à Opus Dei. É o novo anátema, o novo anti-Cristo. É preciso obscurecer os temas para que as falsas revelações soem como definitivas. Para isso existem espertalhões como Dan Brown. Mas se a Opus Dei está levando as denúncias de Brown a sério, então aí tem.
BOBAGEM - O filme é uma espécie de anti-Bíblia, exatamente o oposto dos filmes bíblicos do passado. Estes, eram um porre, mas alguns se salvavam. Ver Ben Hur valia a pena, tanto pela história quanto por Charlton Heston. O Código Da Vinci, relevando as asneiras, é um filme que gruda, é bom de ver. Uma boa bobagem sempre é bem-vinda em qualquer época.
RETORNO - Imagem de hoje: Audrey Tautou (Sophie Neveu) e Tom Hanks (Robert Langdon) diante do crime: o corpo e o enigma de Jean-Pierre Marielle (Jacques Sauniere). 2. Assista a Africa, bem no miolo. Uma webcan colocada no ermo, ao som dos pássaros e diante de todos os bichos.
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