11 de setembro de 2016

IMPLOSÃO DOS MERCADOS: A DIDÁTICA DA FRAUDE



Nei Duclós

Entra no Netflix um filme didático, a Grande Aposta (The Big Short, 2015, de Adam McKay), com elenco estelar: Christian Bale, indicado para o Oscar no papel de Michael Burry, o gênio dos números que descobriu dois anos antes, a partir da análise de tendências de quebra de contratos e inadimplência, a fraude imobiliária que implodiu os mercados em 2008; Steve Carell, perfeito neste drama como o ético investidor que enxerga a profundidade da sacanagem e as consequências nefastas para a economia ao entrevistar eufóricos corretores novos ricos; Ryan Gosling, como o oportunista que aproveita a sacada de Burry para especular contra os bancos que manipulavam índices e compravam avaliações para vender créditos podres, hipotecas vencidas, reunidas em pacotes considerados de alto valor; e Brad Pritt, irreconhecível de barba grisalha e cabelo volumoso, como o ex-mega investidor que se recolhe à vida doméstica e à sua horta e que entra de novo no circuito para encaminhar jovens talentos financeiros para a riqueza.

Não entendo direito como funciona a fraude exposta no filme, mas ele é bem explícito. O básico acho que dá para capturar: a moeda corrente é a dívida e você transforma a dívida em lucro, em investimentos gometricamente rentáveis. Como as avaliações são compradas, esses pacotes são vendidos como Triplo A, ou seja, sólidos e de alto retorno. Mas claro que um dia isso vai explodir, pois as hipotecas (as dívidas imobiliárias vencidas) se multiplicam na mão principalmente de quem não pode pagar. São os famosos créditos podres, que o Brasil adotou exatamente depois da crise de 2008 que devastou a economia global. Foi quando encaramos o tsunami como marolinha e adiamos a falência para nossos dias. Hoje, de cara no chão, estamos pagando a conta depois da famosa “ascensão à classe média” e ao falso fim da miséria .

Ao entrevistar as stripers e os migrantes que conseguiram suas casa sem ter renda compatível, quem apostou contra os bancos (e acabou ganhando fortunas) descobriu que as dividas eram assumidas pela especulação financeira para fazer volume, como se fossem opções competitivas. Havia certeza de que o mercado imobiliário era sólido, uma mentira muito bem aplicada em quem punha sua grana na mão da bandidagem de terno e gravata. Basta manipular as taxas de juros, as avaliações e os preços dos pacotes para todo mundo engolir a patranha sem se dar conta que tudo iria por água abaixo.

No fim quem pagou o rombo foram os contribuintes, como está acontecendo agora conosco, que temos de amargar a ressaca de anos de inadimplência mascarada de crescimento. Eles sabiam que iria estourar na população, mas não deram a mínima, dizem os caras que descobriram a fraude. O filme atualiza a negociata, pois se sabe que o descobridor da sacanagem informou o governo sobre como descobriu tudo e no fim foi investigado pelo FBI. Além disso, novos pacotes de créditos podres (com outros nomes) recomeçaram a tomar conta do mercado a partir do ano passado, driblando assim as medidas rigorosas adotadas depois do crack de 2008. Os grandes bancos ficam intactos e fodam-se as populações e os países que está vinculados a esse sistema corrupto e corruptor.

Quem se importa? Nós, amantes do cinema. Porque é de cinema que se trata. E dos bons. O filme adota de vez em quando, e com competência, o recurso brechtiano de o ator descrever a ação do personagem olhando para a plateia. E usa metáforas hilárias, como o crédito podre sendo comparado ao peixe de três dias vendido em restaurante chic como se fosse iguaria.



RETORNO - Imagem desta edição: Christian Bale, detonando.

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