9 de setembro de 2016

CORRE BALA NA CIDADE DOS ANJOS



Nei Duclós

Um filme é também percebido nas circunstâncias em que é visto. Ermo de filmes bons, amargando um Netflix decadente (só anexa besteiras e quando o filme presta eu já vi) e uma TV a cabo em fase terminal, fiquei grudado em Gangster Squad (Caça aos Gangsters, 2013, de Ruben Fleischerna HBO) por ser uma raridade no sistema de distribuição de cinema fora do circuito das salas. Não ganhou Oscar algum mas merece ser considerado um baita filme, se é que existe esse tipo de consagração nas resenhas cinematográficas. Para mim existe, baseado que sou no espanto que nos provocava o cinemascope em tempos idos.

Filmes recentes de gangsters pecam pelos exageros. Não estão à vontade com a época , pois fumam demais, por exemplo. Ser chaminé é a marca registrada do gênero revisitado, só que fica na cara que os atuais protagonistas não assumem integralmente o cigarro, proibido em nossos dias. Eles tragam com uma caratonha de culpa. Os chapéus de feltro não combinam com os biotipos, ao contrário da época de Bogart em que faziam parte da anatomia. É como achar que nos anos 1920 todos usavam boné e aquele terninho padrão. Há também a apelação escrachada da violência. Enquanto no cinema noir ela era tratada dentro dos limites da moral da época (para não escandalizar espectadores) hoje, com tudo liberado, a carnificina não tem fim, provocando constrangimento em quem assiste.

O paradoxo é que Gangster Squad cai em todos esses equívocos, mas, surpresa!, funciona. Sabemos que estamos vendo um filme fake, que imita os filmes dos anos 1940 (quando ocorre os eventos descritos no roteiro) , mas algumas coisas salvam a obra. Primeiro, o elenco, de primeira. Sean Penn imitando Marlon Brando de O Poderoso Chefão faz Mickey Cohen, o líder mafioso que tenta dominar a Costa Leste no jogo e na prostituição. Ele não é Brando, dizem as resenhas americanas. E Sean não sabe disso? Sua performance é impecável. É um vilão convincente, com aquela cara de cansei de ser o máximo no exercício da testosterona vencida. É um baita ator que perde tempo em ser politicamente correto na chamada vida real. Exatamente, ele não é Brando. E isso faz sua interpretação uma jóia de celebração a um papel inesquecível, anexando uma dose de crueldade que Brando não assume integralmente.

Depois tem Josh Brolin, que detona como o chefe do esquadrão que declara guerra total aos bandidos matando e destruindo as casas de jogo e agindo nas sombras, no anonimato. Josh e seu parceiro no filme, interpretado pelo galã Ryan Gosling, tem aquela dose certa de determinação que fez a glória dos atores do passado. Ambos são cool e explodem nas cenas de ação sem fazer caretas, numa espécie de contraponto ao exagero da produção, que quer ver sangue. E tem Emma Stone, uma das grandes atrizes da atualidade, com seu rosto de menina e falas pesadas, como aconteceu em Bird, de 2014, quando foi indicada ao Oscar ao fazer a filha frreak do performático Michael Keaton. Neste Squad ela é a moça infiltrada no miolo da bandidagem e seu duplo papel de amante do policial e do chefe mafioso torna sua personagem uma soma de duplo sentido, sedução e paixão. Encrenca na certa.

Mas há ainda o plus, as gags do roteiro, que costuram a história. Reproduzo aqui duas delas. Uma é de humor: o técnico em comunicação diz para seus companheiros policiais que vai emitir um sinal e receber o eco para definir o local onde se encontra a central da apostas. Como não nos ocorreu isso antes? diz o meganha, analfabeto em comunicação. A outra é a do policial veterano que ensina o jovem recruta que não se deve mirar o alvo onde ele está mas onde ele estará. No desfecho do filme (atenção, spoiler), já baleado e sem esperança de sobreviver, o veterano pede ao novato que o ajude a acertar o inimigo que está prestes a matar o chefe do esquadrão. O bandido cai morto com um tiro certeiro e o jovem descobre que foi ele que atirou, apesar de o amigo veterano fingir que estava no comando da operação. Esse é o meu garoto, diz o experiente policial. E cai morto.

Tudo isso, mais Nick Nolte no papel de o chefe de policia, fazem deste filme algo bom de se ver. Pois não se trata de violência, anos 1940, nem nada, mas apenas de cinema. E isso é tudo o que precisamos.

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