Nei Duclós
Na última cena de O Dorminhoco (1973), Woody Allen diz que
só acredita no sexo e na morte. O resto é o verniz cultural fake da nossa
época, em que as vanguardas envelhecem acreditando estarem á frente do seu
tempo, a vigarice das citações impera para fazer apenas o jogo da sedução e o
irrelevante é guindado ao status de celebridade.
Tudo isso fica explícito em Para Roma, com Amor (2012),
mosaico de situações em que as personagens se perdem de seus vínculos par encontrarem
suas fantasias, mais ou menos o que acontece em Midnight em Paris (2011),
quando o escritor cruza o umbral do tempo para chegar até seus ídolos literários
dos anos 1920. Desta vez, o que as pessoas perdidas em Roma enxergam são os
famosos do cinema ou da arquitetura, para descobrirem que não passam de tratantes,
que encarnam uma falsa consciência que ao fim se desmascara.
O amor a Roma é o que a cidade tem de permanente, ao
contrário das pessoas volúveis e instáveis, como a atriz desempregada que rouba
o namorado da melhor amiga e o abandona na primeira oportunidade de brilhar num
filme. Ou da recém-casada com fama de santinha que trai o marido com um movie
star gordo e careca considerado o cara mais sexy do mundo. A ironia de Allen se
estende até a crueldade, quando o velho vanguardista (interpretado por ele
mesmo)tenta fazer de um papa-defunto uma estrela da ópera que canta nu tomando
banho em grandes palcos para finas plateias . Uma ideia considerada imbecil que
o vaidoso veterano , monoglota, acha que é elogio.
Nada escapa da sua crueza de ver. O anônimo que vira célebre
(Roberto Benigni ) acaba acostumando e não se conforma quando volta ao anonimato.
O rapaz (Marc Zuckerberg) que trai a namorada, acusa seu ídolo (Alec Baldwin),
transformando na sua consciência, de se vender. O marido exemplar que queria
agradar os parentes ricos para subir na vida acaba se envolvendo com uma
prostituta apresentada como esposa. Há transgressão o tempo todo. O vestido
curto e vermelho de Penélope Cruz (arrasadora) em pleno Vaticano. Os homens
mais importantes de Roma fazendo fila para marcar hora com a prostituta numa
festa. O sujeito superficial e politicamente correto que não passa de um intolerante.
A ingenuidade sendo punida pela safadeza.
Mas é um filme que foi vendido como turístico para os
investidores, então tudo acaba bem Há
reconciliação, perdão e arrependimento. A Roma de Woody Allen fica parecendo um
guia de monumentos e ruas, mas o fato é que alguns personagens declaram o
desprezo a essas atrações. O mais importante é a vida das pessoas, todas
tornadas comuns, célebres ou não, pelos lugares famosos. Dividindo a cama em
hotéis de luxo, conversando em bancos de praça, admirando ruínas, todos são
envolvidos pelo medo da morte, expresso quando o veterano não se sente confortável
na aposentadoria, ou o jovem estudante de arquitetura que fantasia em mudar a
arquitetura e deixar um legado, ou no medo de uma vida medíocre de anônimos que
abandonaram seus talentos. Todos tem seu quinhão de miséria neste mundo, mas é
melhor ser rico e famoso do que pobre e anônimo, diz o ex-motorista para aqueleque
foi abandonado pela notoriedade.
Em Woody Allen, até as lições de vida fazem parte desse
verniz cultural que assola nosso tempo, essa irracionalidade que pauta a vida
das pessoas, esse obscurantismo que adia o verdadeiro conhecimento. Allen faz
grande arte, porque engana a todos dizendo que faz comédia quando faz drama
pesado. E denuncia as principais mazelas de hoje, quando nos envolvemos em esperanças
vãs, em gestos desesperados e tardios, em terror diante do nosso destino e a
fuga dos melhores momentos, aqueles em que no sexo compartilhamos a alegria e o
prazer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário