Nei Duclós
Preciso espichar as pernas, ler alguma coisas, pensar
mais bobagem. Sobre como levei dois tiros e fui abandonado em alto mar e me
salvei e consegui chegar numa ilha. Lá aprendi a sobreviver e fiquei por cinco
anos. E depois peguei um navio e fui clandestino para Portugal onde adquiri
nova identidade. Virei mascate e consegui algum dinheiro intermediando coisas.
Encontrei a moça trash no trem e fizemos amizade e ela se tornou minha
secretária. Era minúscula e conversávamos muito sobre negócios.
E fomos então numa recepção e todos nos olhavam mas eu
precisava apenas de uma secretária. Ela era hacker. Comprei um vestido tubinho
branco para ela e ela parecia uma esquila de tão pequena. Mas ja era maior
tinha 21 anos e uma cara redonda e olhos orientais. Usava um brinco meio piercing
e mascava chicletes imaginários. Trabalhávamos até tarde e dormíamos agarrados,
mas nunca rolava nada.
Um dia fui me embora para Paris trabalhar numa livraria
de ex-colega meu do navio. Ficava imóvel o dia inteiro limpando livros antigos
que ninguém comprava. Até que uma garota me fotografou e descobriu que eu era o
avô de uma amiga dela, que tinha morrido havia dez anos. No país onde morava,
que seria o meu antes de ter ido para a ilha, não acreditaram na historia e por
sua insistência vieram me encontrar. Na época eu morava com uma viúva rica que
se engraçou comigo, eu usava capotões surrados. Conheci então os pais da minha
neta numa praça onde costumava tomar café na calçada numa mesa, Eu tinha sapatos
velhos e estava completamente diferente e os pais da neta não acreditaram que
era eu mesmo e foram embora.
Eu pegava chuva todos os dias e vivia só apesar de estar
na casa da viúva que nunca estava por lá. Paris no inverno é barra, muta
solidão. Até que um dia fui descoberto graças à garota que me fotografou, me
descobriu e que tinha uma amiga neta de mim. Fui levado de volta ao Brasil
vestindo um uniforme da Marinha. Tinha o cabelo vermelho queimado pelo sol e a
pele cinza de muitos invernos na Europa. Fui recebido pelo meu país de olhos
enxutos. Só os pássaros choraram. Os pássaros são muito sentimentais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário