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5 de setembro de 2004
NINGUÉM É BRASILEIRO
A leitura do título acima pode ser feita pelo avesso: brasileiro é ninguém. É o que disse Darcy Ribeiro ao explicar nossa origem: mistura de europeu com índio dá o quê? Ninguém, respondeu o mestre. Foi essa ninguenzada, acrescida de outros povos, que resultou no que somos. No jogo da seleção contra a Bolívia, apesar das cascatas globais sobre a vida pessoal do sr. Cicarelli, o craque Ronaldinho Fenômeno deu uma aula sobre a fonte do futebol do país.
PELADA - Como nos ensina Mario Filho, nosso futebol começou quando a massa que assistia ao jogo inglês no final do século 19 começou a disputar a bola caída fora do campo. Esse evento deu início à arte que nos encantou no Morumbi. O que diz Ronaldinho com seus dribles e arranques, com a maneira como rola a bola com o pé, como se estivesse passando a mão na cabeça de uma criança? Que o jogo como entendemos é uma forma de ficar sempre com a bola, disputadíssima pela multidão. Podemos imaginar milhares de torcedores anônimos, pretos na sua maioria, chutando sem parar a bola de couro, indo pela periferia afora, até a beira dos rios, batendo para frente e para cima, driblando sem parar, para que o objeto de desejo não caísse nas mãos de ninguém. Ronaldinho já é um jogador do futebol que trouxe essa herança das grandes peladas para o campo obediente às regras. Essa é a cultura formatada no corpo. Vejam como ele carrega a bola num arranque terrível de corpo para depois imediatamente parar com a investida, fazendo com que a perna, ou a coxa, batam quase acidentalmente no biroço, que assim obedece ao seu capricho sem que pareça ser uma jogada consciente. Seu atrapalho é pura demonstração de força: no fundo, ele quer mesmo é embaralhar a percepção alheia para que o adversário não saiba onde está escondido o tesouro. O brasileiro precisava tomar conta da bola a maior parte do tempo, pois ele, marginalizado, não fazia parte do jogo bem comportado vindo da Europa. Não jogava com camisetas nem na grama. Não estava em estádio, estava em campo aberto. Por isso é livre ao jogar, por isso saber como enganar os outros. Para conseguir jogar, aprendeu com o tempo que também tinha aliados e que podia fazer de tudo para manter a bola nos pés, para, na hora agá, entregá-la ao companheiro.
PIANÍSSIMO - Jogamos o fino no Morumbi, mas outro destaque foi o pianista Arthur Moreira Lima, morador aqui da praia do Santinho em Floripa (nome próprio que vem de flor), ao lado de Ingleses e pelo que me garantem, brizolista roxo. Moreira Lima é o novo Villa-Lobos (como agitador cuiltural, não como compositor). Tem levado música clássica para o povo, sentado em frente a um piano, em cima de um caminhão. Eis um homem e sua profissão de fé: insurgir-se contra a manipulação industrial do ouvido da nação, rebelar-se contra a mediocridade triunfante, romper caminho por entre as paredes que nos cercam e levar melodia, harmonia, música ao povo seqüestrado pelo rap e outras atrocidades. No sábado, a TV aberta é um horro só: Ratinho com músicos horrendos (com honrosas exceções), Chitãozinho e Chororó na Record, depois Zorra Total na Globo e mais outra porcaria na Band (você tem razão, Paulo Florêncio, o programa da Preta Gil mantém a escrita da mediocridade). O que eles querem? Que a gente sucumba diante da miséria cultural, intelectual e política? O Hino Nacional tocado por Moreira Lima e cantado por pessoas carentes foi uma beleza só. Cantei junto e me emocionei. Viva a semana da Pátria, sem patriotadas e com patriotismo. O patriotismo é o vínculo amoroso e responsável com a nação e precisa ser resgatado. Somos alguém: brasileiros, a meta-raça de que fala Gilberto Freyre, que está na postura, na incorporação de uma cultura original. Corporificação. Com ela afirmamos a necessidade de um Brasil soberano.
RETORNO - O lançamento da música No Mar, Veremos, poema meu musicado por Zé Gomes, será no primeiro domingo de outubro e não agora, como disse aqui. No programa Viola, minha Viola, na TV Cultura de Sampa.
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