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16 de setembro de 2004
A DESMORALIZAÇÃO DO TRABALHO
É premeditado: o enterro precoce do trabalhismo coincide com a desmoralização do trabalho. Milhares de pessoas enchem o estádio do falido futebol brasileiro para ter direito ao sorteio de dez vagas. Nada mais sintomático da sociedade lotérica em que vivemos, pois a ascensão via acaso significa tensão permanente. As ofertas que existem são de subemprego de um lado e de outro de meia dúzia de funções super-especializadas, que não são totalmente preenchidas devido ao sucateamento da educação. É por isso que Enjôo Soares fica meia hora debochando de cargos humildes batizando-os de nomes pomposos. Ele acha engraçado.
JUSTIÇA - A geração em massa de subempregos enche a boca do poder com a expressão carteira assinada. Que adianta assinar carteira se o pagamento, ou seja, a distribuição de renda, é uma merreca? Ontem, na série Meu Cunhado, do SBT, o tema era o exagero das indenizações trabalhistas. A exceção foi apresentada como regra, para prejuízo da Justiça do Trabalho. Bronco Golias explorava o cunhado Washington Moacir Franco inventando acidentes de trabalho para arrancar dinheiro. Esse tipo de acusação tem sido comum. Por muitos anos fala-se mal das leis trabalhistas. Primeiro, a universidade manifestou-se mentindo que eram de inspiração fascista. Isso deu luz verde para a pseudo-modernidade do emprego informal, que se acumulou a partir da entrega total do país. Depois o empresariado fez intensa campanha contra as leis de amparo ao trabalhador acusando-as de obsoletas e coercitivas. Precisavam de liberdade para vencer. O que atrapalha é o funcionário, acusado de corrupto, safado, preguiçoso, aproveitador. Como exageraram na dose, recuaram um pouco, mas só de onda. A informalidade via terceirização e a transformação das pessoas físicas em jurídicas são hegemônicas. Para quem está no degrau mais baixo da escala social, qual o custo de uma carteira? Quero ver pagar bom salário e assinar a carteira. Aí o bicho pega. Mas salário, por ser distribuição de renda, é considerado coisa feia no país da extrema concentração, das grandes diferenças sociais, da falta de justiça (e não de punição; punição sobra, o que falta é justiça, o equilíbrio com isenção). O noticiário da TV, que é uma espécie de assessoria de imprensa do poder, vai na fábrica para literalmente gozar com o trabalhador, que depois de muito tempo consegue ganhar um dinheirinho com o suor do seu rosto. Esse crescimento veio bem, não foi? pergunta o segurador de microfone. Com certeza, responde o trabalhador.
ARGENTINA - Mr. Rato, do FMI, foi corrido pelos argentinos mobilizados. É assim que o povo de lá faz. Aqui, além do referido personagem ser recebido às gargalhadas pelo poder, ainda teve um plus na noite carioca, o que só confirma o quanto somos amados pelo mundo. Os argentinos conseguem reagir à destruição do país gerando um Kirchner e ao mesmo tempo colocando-o contra a parede. É por isso que o presidente deles fala grosso com os piratas internacionais e impõe novas condições para que as multinacionais instaladas no Brasil não façam tanto a festa no mercado argentino. Maradona, o garoto do ouro, é retrato de uma glória que já foi grande e hoje luta contra a decadência. Mas há altivez em tudo o que fazem, há principalmente coragem. País limitado, tem o sonho maior de grandeza. Vizinho de um país poderoso, jamais dá o braço a torcer. Numa enquête internacional, a Argentina ocupa exatamente o lugar oposto ao do Brasil. É o país considerado o mais antipático. Melhor assim. O amor à Argentina é um assunto exclusivo deles. Aos outros povos, resta o respeito. Deveria ser assim com o Brasil. Mas, ao contrário, somos muito amados, mas não há respeito por nós. Se fôssemos duros, se não deixássemos tomar tanto conta de nós, se não oferecêssemos tanto nossos encantos sedutores para todo mundo, possivelmente não seríamos tão queridos. Mas teríamos um pouco mais de presença no mercado internacional. Vejam como Kirchner trata Lula: bate o maior papo amistoso com ele e ferra o tempo todo.
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