Nei Duclós
O filme de Ken Loach, Eu, Daniel Blake, de 2016 e que ganhou
a Palma de Ouro de Cannes de 2017, expõe a individualidade pressionada por um
sistema de imagens e sons representativos da opressão do Estado. Uma
individualidade que se expressa por meios anacrônicos não contaminados como
forma de denúncia.
A tela do computador onde precisa se cadastrar para ter
acesso aos benefícios sociais depois de sofrer um enfarte no trabalho
(carpinteiro altamente qualificado com 59 anos), a conversa dos vizinhos pelo
skype com um fornecedor de tênis da China, as horas perdidas no atendimento que
nunca atende, se opõem à pichação que Blake faz na parede da empresa
(americana, terceirizada) encarregada pelos benefícios sociais negados, como
auxilio doença e seguro desemprego.
É na parede pichada com seu nome e sua reivindicação que
Daniel Blake assume sua individualidade, fora do sistema de códigos visuais e
auditivos que o mantém no desemprego sem apoio e o empurram para a miséria. Ele
exige ser atendido e para isso atrai a multidão que o aplaude, estimulada pelo
arauto que, à maneira dos antigos, anuncia sua insubordinação e a súbita
liderança pelo exemplo.
Seu recado final não é ditado por email, messenger, what´s
up, instagram, facebook. É texto escrito a lápis em papel. É seu ultimo reduto
de identidade real, num funeral de pobre, nas primeiras horas da manhã na
lúgubre e chuvosa cidade no nordeste da Inglaterra. Essa é a denúncia do filme:
o próprio cinema, feito de memória dos frames e assumindo as ferramentas da
inovação na mão de grandes autores, escolhe suas armas fora do sistema digital
contaminado e se refugia na representação das ferramentas clássicas da
expressão, como tinta na parede, papel, lápis e a viva voz sem intermediação.
Carpintaria é o ofício tradicional dos mestres que resistem
em seus redutos de integridade. E o cinema é a arte que desmascara as
ferramentas que tentam substituí-lo, inoculando nas salas escuras que ainda
existem e na rede (vi no Netflix) sua força de Sétima Arte.
Excelente crítica. Esse filme é um retrato dos nossos dias, quantos como Daniel não morrem todos os dias tentando lutar contra essas forças opressoras?
ResponderExcluirObrigado. É um massacre diário coletivo.
ResponderExcluir