30 de setembro de 2016

POEMA SEM ROSTO



Nei Duclós

Está ficando tarde. Hora do poema
sem rosto. O que chega nas horas
soltas, sem combinar nada.

E se impulsiona numa alavanca de voos,
jogando-se das torres para os campos.

Sofre a porção de fé no mar ignoto.
O que assustou a artista de esboços,
que deixou tudo sem ficar pronto.
Rompe a palavra então num sufoco.

É hora do verso louco, do passo manco,
do extremo esforço da voz rouca,
que ninguém ouve, a não o escriba torto,
corpo carregado de cincerros.


RETORNO - Imagem desta edição: obra de Joseb Elorza


29 de setembro de 2016

BATE NAS PEDRAS A ESPERANÇA


Nei Duclós

Bate nas pedras a esperança
feito onda teimosa na borrasca
É quando o mar, a indiferença,
estende garras na areia
querendo recuperar
o que lhe roubaram de terra

Para isso usa chuva e vento
e cerca a praia de pânico
invade como ressaca os bancos
onde namoram os amantes
Impacto de quem ficou de fora
de qualquer agenda

Será que consegue, ao transgredir,
bonança? Vão atendê-lo, mesmo
sabendo que seu poder é nulo
quando parte do seu elemento
para a solidez do solo de raízes tensas
Poderá abraçar pessoas e plantas?

Por um tempo ele invade e cria
comprometimento, mas reflui
Sua água sempre volta para o fundo
A não ser que uma explosão de dor
o revolva e em tsunami ele faça
como nós: do sonho um desastre


RETORNO - Imagem desta edição: obra de Winslow Homer.

O POEMA VOLTOU



Nei Duclós

Tinha esquecido o poema.
Mas ele voltou, com sua força tremenda
Algo maior do que a primavera
Ciclo de flor ou ventos de renda
É um poder que o tempo sustenta
Acima da nuvem e da noite suprema

Não se compara a nenhum momento
A não ser ao farol no penhasco mais denso
A não ser ao navio que do mar se alimenta


RETORNO - Imagem desta edição: obra de Winslow Homer.

28 de setembro de 2016

VIESTE DO MAR



Nei Duclós

Vieste do mar
Onde havia peixes ancestrais
Tua profunda origem
Carne da memória

Vieste do sal
E da água azul dos corais
Tua antiga bagagem
Broto nas ilhas de sol

Vieste para cá
Onde gastas sandálias no pó
Por confiar na viagem
Que o teu corpo prepara no cais


RETORNO - Imagem desta edição: obra de Winslow Homer

26 de setembro de 2016

CICLONE



Nei Duclós

Meia noite é quando o tempo dá um coice
E ribomba fundo o balde sobre o poço
Tropeço na escuridão sem roupa
Nua comunhão de estrela e fonte

Braço estendido ao longo do horizonte
O sonho perde o passo e ensaia o fôlego
Para saber se pode cruzar o que se esconde
Sem atrapalhar os planos do destino

Cobre e azougue, som de misterioso sino
A revelação se abate como onda
De um mar ainda sem registro
É o barco que apronto, navegador arisco
Em direção ao sol, inventor do abismo

Jogo todas as fichas no sopro do ciclone
Na ausência de luz descubro o fogo


RETORNO - Imagem: obra de Winslow Homer

24 de setembro de 2016

OS FUNDAMENTOS DE OUTUBRO



Nei Duclós

Quando cheguei aos poemas de Outubro, a partir de 1969, já vinha de longo exercício poético desde 1957, quando acabara de completar 9 anos de idade. Foi importante expor essa fase anterior da minha poesia para os colegas da faculdade da Ufrgs. Era o que eu tinha para mostrar. Mas ao colocar no mural alguns trabalhos por muito tempo acalentados na solidão do interior ou mesmo antes de entrar para o Curso de Jornalismo, notei a reação dos colegas, deixando claro que eu tinha muito chão pela frente antes de fazer algo significativo.

Isso me amadureceu rapidamente, principalmente quando tomei contato com a grande poesia nacional e estrangeira, dos modernistas brasileiros e todo o resto, de Cabral a Bandeira, de Drummond a Cecilia, impregnando-me também de Fernando Pessoa e Garcia Lorca, de Maiakovski e Brecht, e tantos outros. Foi uma revelação. O plus foi a transgressão do concretismo e da praxis, seus poemas, traduções e textos teóricos.

Encontrei então minha própria voz, a partir dessa fricção entre meus sonhos anteriores e o impacto da sonoridade da poesia maior. Nada tinha a ver com o engessamento acadêmico que vigorava nos cadernos culturais próximos (o caderno B era inacessível para um estudante sem recursos e longe das grandes capitais). Considerei então um ato de criação que trazia a voz das ruas para a poesia trabalhada com os avanços contemporâneos. Algo novo, mas ousando ter um tom clássico, sem ranço novidadeiro.

O livro Outubro, lançado 7 anos depois, em 1976, é a síntese e porta de entrada dessa nova identidade poética que acompanhava as tendências de uma época de mudança. A segunda edição, comemorativa dos 40 anos de lançamento, está na gráfica, com previsão de lançamento em outubro. Muita gente já adquiriu o exemplar e fez o depósito, apoiando a iniciativa do autor-editor. Junte-se a nós, participe. Escreva  pelo email neiduclos@gmail.com ou use este botão do pagseguro. https://pag.ae/bddhn3r

Outubro veio para ficar. A edição está linda demais. Cada exemplar custa R$ 50,00, com frete incluído.