Nei Duclós
Fortes
personagens femininas são um dos pilares do meu novo romance TUDO O QUE PISA
DEIXA RASTRO. Alguns trechos:
IMPERATRIZ LEOPOLDINA
- “Mulher e flor: as plantas amam? Duvido. Mesmo aprumadas num colo de princesa
elas exalam um pouco a indiferença, o ar blasé da bem nascida. No mato então
elas se multiplicam, tendendo mais a formigueiro do que a baile de gala. Fui
criada no luxo, onde estudei livros sobre a natureza. Mas a curiosidade e o
casamento me despejaram neste lugar, que é o paraíso intocado. A diferença é
brutal. No palácio do meu pai, a equitação era uma arte, aqui uma necessidade
de sobrevivência. Vim porque a fantasia é o vestido de baile da mentira. Não me
arrependi a maior parte do tempo, a não ser quando descobri que jamais veria de
novo o lugar da minha mocidade. Mas desde o primeiro instante aceitei e ao
mesmo tempo escolhi o meu destino: ser esposa de um príncipe herdeiro, dar
filhos para eternizar a linhagem e depois ajudar a gerar uma nova pátria no
ventre da dominação e da guerra. Quem presta atenção numa mulher?”
SILVANA - “Porque
foi ver Silvana para o coração bater no teto. Não só pela formosura, mas pela
maneira decidida e liberta de ser. Aquilo era negra para ninguém botar defeito.
Para mim, era uma rainha, e eu o príncipe mau que mata todos os pretendentes só
para roubar a moça. Ah, meus amigos, conhecer Silvana foi a única coisa boa que
me aconteceu em todo esse tempo em vivi sobre a terra. Valia mil guerras, podia
derrotar um exército só com uma virada de rosto. Os olhos eram dois pregos
cravados na tua alma como se tu fosse o crucificado. Não tinha como escapar
daquela deusa. Mas eu ainda não tinha visto nada. Quando ela pela primeira vez
dançou para mim, eu vi que estava perdido. O corpo era uma pintura, nem conto
para não provocar inveja. Isso aconteceu no caminho de volta. Ela não aceitou
minhas investidas porque sou judiado, mas ninguém me bota fora assim no
primeiro encontro. Coloquei Silvana em cima de numa junta de bois e inventei
uma espécie de cobertura parecida com as de carruagem. Ela vinha sacolejando,
cheia de flor na cabeça, sorrindo de alegria porque ia rever o pai e mais
faceira ainda porque lhe propus casamento e ela topou. Só para escapar de onde
estava. Mais tarde me confessou que aprendeu a me amar. É como eu digo. Tudo se
aprende nessa vida, até a gostar de um sujeito mal encarado com eu, que todos
conhecem como Lanceiro Fabião, o rastreador”.
A VELHA – “-
Puma, leão baio, suçuarana. Rosna mas não ruge. sopra e assobia. Pia como
pássaro e abateu minha única vaquinha, se banqueteando sem deixar ninguém
chegar perto. Não reparte. Devora até meus peixes quando a sanga está cheia.
Não tenho mais o que comer. Com a guerra, a falta de homem deixou o bicho à vontade.
Não espera mais a noite para caçar. Se expõe de dia e se diverte assustando as
perdizes e os quero queros. Ronda meu casebre a qualquer hora do sol, da noite
ou da chuva. Fixa os olhos em mim como se quisesse gravar meus pensamentos.
Adivinha o que vou fazer e se adianta. Não tenho mais sossego. Antes fazia longas
caminhadas para buscar o que comer, agora só fico roendo raízes. Mas vossa majestade,
se é assim que se apresenta, não tem como me ajudar. Essa véia que o senhor
contou, que se atirou a seus pés pedindo esmola, não é do meu feitio. Não há
dinheiro que mate uma suçuarana. Só mesmo um tiro certeiro, depois de uma
tocaia perfeita.”
DENISE – “A
guerra levou minha vida e não colocou outra em meu lugar. Perdi pais, amigos,
rotinas, estudos. Fui bombardeada por todo o corpo. Encontrei o amor no meio do
troar do canhão, do fogo da metralha, do esguicho de sangue vertido pela
baioneta. Engravidei e por isso tomei o trem de fuga para o interior do Paraná.
Lá vi mais morte e derrota. Os líderes não sabiam comandar, os soldados não
estavam preparados. Houve mais uma debandada, uma crueldade sem limites. Mas
precisava de uma nova família e abracei a revolução. Cruzei a fronteira junto
com as outras mulheres, proibidas de seguir no combate por ordem daquele
capitão de pedra, o Luis Carlos Prestes. Me misturei às fêmeas que cuidavam dos
soldados Minha gravidez ajudou a atrair apoio, carinho e confiança. Mas eu
queria aprender sobre armas e não providenciar a roupa ou a comida. Com o
barrigão crescendo, azeitei e montei armas, fiz mira em coruja e comecei a
abater o inimigo nos momentos mais duros das correrias disfarçadas em batalhas.
Fiz a coluna por muitos quilômetros. Atravessamos a pé e a cavalo todos os
desertos. Anônima, eu era o retrato da fuligem. Só quando pari no meio dos
cactos é que me deixaram de lado. Não me queriam mais. Eu insistia que
continuaria combatente, mas não podia haver choro de criança em acampamento
militar”.
RETORNO -Livreiro, faça sua encomenda. Amigo,
adquira seu exemplar autografado. Escrevam para neiduclos@gmail.com. TUDO O QUE
PISA DEIXA RASTRO (Edição do Autor, 161 pgs., R$ 30), livro selecionado pelo
programa Petrobras Cultural.
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