3 de maio de 2015

ANTES DO DILÚVIO



Nei Duclós

Somos feitos das mesmas ideias geradas em outro mundo. Dos mesmos ideais que não resistiram ao tempo. Dos mesmos sonhos que hoje atrapalham a visão.

Somos feitos de materiais que foram substituídos, mas mantemos a cabeça no sótão da memória. Nem o sol nos desperta, nem o vento arranca nosso telhado.

Somos a ruína de individualidades de vidro que se imaginam de aço. A inocência nos toca novamente quando abandonamos os embrulhos para o apetite da tempestade.

Voltamos então a perceber o que estava oculto, o ninho de onde brotou tanto equívoco. O território do intocado, o abraço mais profundo. O motor que inventa o mecanismo da semente.

A que nos propomos depois dessa redescoberta? Poderemos evitar o que nos deixou ao relento? Ou desta vez ficaremos lá, no ovo do eterno silêncio? Deixaremos que a divindade se perca em nós, como num labirinto? Ou iremos, como sempre, colecionar mais perdas?

Sopra, arte imensa.

RETORNO - Imagem desta edição: cena do filme Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman.

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