19 de junho de 2014

MUDO VIOLINO



Nei Duclós

Cansaste do que digo. Mas ainda estou aqui, mudo violino.

Semeei a beleza e ela floriu de surpresa. Veio de longe, num momento sem esperança. Limpou o que estava tenso.

Não nos conhecemos. Só nos amamos.

A flor foi um presente, veio de um outro reino

Só nós dois compartilhamos a palavra. A que gruda na pele e mexe na fantasia.

És tão querida que hoje parece domingo

Li poemas no lago. Imaginaste um estrago

Te trouxe para perto, sonho distante. Senti tua pele, e nossa chance

Quando enfim o verso te tocar estarei longe. Achei que tinhas lido gargalhando.

Ela acha que me perdeu, de propósito. Gosta de dizer que está só,põe cartazes de busca. Eu fico só olhando, a princesa mimada tentando esconder que me ama.

Não me apresente mais ninguém. Perdi o hábito de gente. Só tenho o que não dorme, esse amor insone, coração que sobrevive num arsenal de escombros.

Vieram reclamar que o amor ainda é o mesmo, e disseram que eu deveria mudar de ares. Deixei-os ir, para soprar meu sonho na brasa do sentimento que jamais se apaga.


Fui te ver, mas estava cego. Tateio o breu que carrego. Sombra do amor prometido

Não falo do meu tempo, ao qual pertenço. Falo dos teus olhos, que me contemplam

Casar é continuar usando a mesma metade da cama mesmo quando ela viaja.

Não vou comparecer. Algo me impede, flor de algum lugar.

Não tente passar a mão na cabeça do poema dizendo que é fofinho. Ele morde.


DISCUTINDO A RELAÇÃO

- Isso não é poesia, disse ela.
- Não fiz com essa intenção, disse ele. Queria apenas te lembrar que sou humano.

- Moras em meia dúzia de palavras, disse ela.
- Recolhi nas calçadas, fugindo da chuva, disse ele.

- Vou dar um tempo na poesia, disse ele.
- Então não faça poesia com isso, disse ela.

- Ok, vamos discutir a relação, disse ele.
- Vamos, disse ela. Safado.

- Pare de fingir que ama, disse ela.
- Parei quando descobri que era de verdade, disse ele.

- Descobri você, disse o poeta.
- Ainda havia tempo, disse a peregrina.



RETORNO - Imagem desta edição: obra de Édouard León Cortès.