26 de junho de 2014

FLOR E SOMBRA



Nei Duclós

O que te arrebata só a tempestade declama.

Tua flor me faz sombra. Acolhe-me em muros de pedra. Resistente pétala.

Palavras são apenas pistas para o que acontece de fato. Entre nós há mais do que dizem os versos.

Não faz sentido a palavra sem teu rosto. Maquias de sonho a pele que me beija.

Quero ver quantos dias aguentas sem que eu te cante.

O que parece poesia é insônia. O que parece fantasia é poema.

Partiste depois de me ler. Sou o bilhete que marca a página do teu livro.

Demoraste na distância, como se o tempo fosse extenso.

Escolhi a solidão quando desmarcaste a ponte. Fiquei pescando peixes de açucena.

Eras minha até um certo tempo. Depois, desistimos, tempestade de areia.

Não se consuma o amor que combinamos. Fica um voo ainda na penumbra, como um assombro.

Foi só uma noite. Mas o espelho ficou marcado com tua imagem. Ela reaparece toda vez que o tempo se banha de memória.

Temos ritmos diferentes. Eu ando à toa e tu desfilas com mantos.

Nossa obra é o que escutamos de sopros avulsos, de criaturas sem rosto. Somos naves espaciais que não deixam registro. Estivemos aqui? Ninguém acredita.

Quando partimos, deixamos o coração na chuva. Ele é anfíbio, respira por memórias.

Nada fica de ti em ti mesmo. Tudo pertence a lugar nenhum.

Ter só o que passa é ser.

Não olhe para trás, coragem de muitas vidas. Tudo o que passa fica ao teu lado, solidão que pede auxílio.


PROVAS

Se as coisas não deram certo não é porque tenhas fracassado. É porque a vida costuma pedir provas do teu amor por ela.

O tempo todo estou nessa. Foi-se o tempo de promessas. Agora é ação, palavra na forja, coração aberto.

A cabeça fica nas nuvens. Lá é a oficina da doçura. O resto acompanha, mecanismos da forma. Obedecem o coração que há na fantasia.

Já passa do que nos dissemos, a dor de um dia estar longe. Agora é hora silente, espaço do noturno encontro.

Teu corpo ausente me convida para a dança. Toco violinos de puro esquecimento.

Tudo é provisório, menos o sentimento. Ele cicatriza, ardendo.

Foi só uma noite. Mas o espelho ficou marcado com tua imagem. Ela reaparece toda vez que o tempo se banha de memória.

Gostaste deste final de tarde? Agarrei tua cintura com vários golpes de mestre.

Não jogue beijos à traição quando estiver no estádio lotado. Pode aparecer no telão.

Se você aparecer no telão do estádio, não abane que nem um panaca. Olhe profundamente para o nada. Cool.

Fui me fazer uma visita. Estava fechado.

Quando partimos, deixamos o coração na chuva. Ele é anfíbio, respira por memórias.


INVISÍVEL

- Meu avô disse que o senhor não existe, disse o garoto.
- Escute os mais velhos, disse Jack o Marujo. Eles limpam o mundo dos excessos da fé.

- Estás sumido, disse o visitante.
- Sou invisível, como o vento, disse Jack o Marujo. Moro no mar, durmo na gávea.

Deixo sem ponto o verso que apronto. Aprovas antes de ver, só pelo sopro.

Nem me importo mais com isso, diz ela, todos os dias


FORÇAS

Escreva na água quando houver paz
disse o Mestre. Faça espuma
para acompanhar os pássaros

Junte forças para o teu poema
quando fores à guerra


VOZ E CORAÇÃO

Voz e coração. Disso és feita
perfeita em arte temporã
cantas para que haja corpo
jogo aberto antes da manhã

De brinde teu rosto satisfeito
flor feminina na luz de neón
melodia da tua leitura atenta
fios de prata em pernas de lã


SEGREDO

- Alguém por perto?
- Não.
- Algum encontro?
- Não.
- Você me ama?
- Muuuito.

- Não vou voltar, disse ela.
- Não precisa, disse ele. Nunca irei embora de ti.

- Dizes coisas desencontradas, opostas, disse ela. E não me fale que és muitos.
- Sou todos, disse ele.