1 de abril de 2014

NOVOS ANJOS



Nei Duclós

Alguns poemas são como novos anjos quando levitam pela primeira vez.
   
Levo junto a distância para ao te deixar ficar perto.
 
 Sou tua soma e tu me multiplicas. Operação de intensa aritmética.

Não importa o que nos parte e sim a sorte que nos une.

Minha visita é provisória. Fica apenas a marca de um beijo em alguma parte do teu choro.

Não estou na origem do que te feriu. Sou o beduíno sem rosto de passagem por teu sonho.

Tratar indivíduo como gênero, eis a tragédia humana de hoje

Criei tantas senhas que acabo misturando letras e números. Tenho acesso assim a sites da matéria escura, arquivos do lado oculto da lua.
   
A semana não promete nada. Não dependemos do calendário, somos vazios o tempo todo.
 
És estrela do meu poema. Mas não dirijo a cena, cuido apenas dos letreiros.
 
Esses poemas esparsos são o script de uma obra ainda em processo, em que somos protagonistas sem corpo e vozes de sufoco por falta de fôlego.

Não insisto contigo, sei que inútil. Apenas convido os passarinhos que te cercam com algum alpiste de versos.

Esse seu jeito bravo de posar pondo a mão na cintura faz parte do quanto sobras de mulher.

Exposto ao sol, achas que me enxergas. Mas não me vês pois te cegas.

 A fragilidade gosta de assumir o papel bruto quando nota que a escassez é recíproca.

Estávamos bem, conversando, e aí resolveste atirar umas pedras para ver se era de vidro.

Tens um jeito estranho de amar. Maltratas quando estamos a passeio. Me abraça quando estamos em guerra.

Sou outra pessoa, a que desconheço. Por isso não lembro e fico com esta mesmo.

Não seja formal se eu chegar muito perto. Vim do deserto, visto apenas um surrado pano que jogo em teu rosto

Faça um balanço de quanto amou este ano. Depois venha para meu colo se algo estiver faltando.

De vez em quando lembras que te pertenço. Aí me jogas um bilhete em branco, para que eu te escreva.

Nem te dás conta do impulso que deslocas quando chegas devagarinha. Pedaço de sonho sobre a água límpida.

És um monumento da doçura, das palavras que dizemos quando há lua. E que são corriqueiras, e inesquecíveis, como a brisa em teu cabelo.

Não importa se é noite ou dia. O que vale é o crepúsculo dos teus olhos, flor de fantasia.

O dia chega ao fim, vento que rola para a varanda noturna. Olho as nuvens granuladas num crepúsculo morno. Sonho, meu balanço de outono.

 RETORNO -  Imagem desta edição: foto de Marga Cendón.