Nei Duclós
Selecionei um trecho da tua imagem. Aquele em que te
entregas em segredo.
Eu ia dormir, mas pensaste em mim. Não resisto a um chamado
em voz alta.
Queres dar um tempo? Me passe alguns anos.
Como sou gigante, me tornei exilado da doçura. Então
surgiste, flor de seda pura.
Agora sim, durmo contente. Fiz versos para povoar teu sonho.
Como na tua mão, fada
de outro mundo. Sou tua criação, ser errante.
Crio a esmo. Trigo com ervas do campo. Depois não colho,
porque cansa muito.
O tempo nos reserva uma surpresa. Viajamos sós e nos
reconhecemos no convés, depois de um cinema.
Você é tão adorável, estrela cadente.
Não sei o que estou pensando. Não costumo olhar o rastro do
meu barco a remo.
Tens aquela postura de ter desistido. Mas te empinas para a
frente, perfil de seios. Assim te entregas quando recitas o poema.
Não tenho profundidade, tenho cataventos.
Quando me conheceste, eu era outro. Agora que és outra,
descubro que sou aquele.
Sou feito de abandonos. São tantos, espalhados por toda
parte, que fácil me encontras.
Para não esquecer, me beije. A memória mora nessas
besteiras.
Faça outra coisa. Que eu farei o mesmo.
Vou te mostrar minha coleção de borboletas. Só que todas
voaram.
Todas as fotos são antigas. Somos um álbum de retratos.
Digo coisas sem sentido porque assim me sintonizo com
vibrações fora do circuito.
Se és amor, levante a mão. Eu aponto em meu caderno de
esperanças.
Nossa palavra é limitada pelo que somos fisicamente. Para
extrapolar é preciso jejuar e só depois de 40 dias comer alfinetes.
Não somos objetos. Somos sujeitos ao desejo.
Mas vai piorar. Agora vou aparecer gigante sobre a cidade,
como Godzilla cuspindo fogo. Saia do cinema correndo.
Também não gostei quando alguém me apresentou dizendo meu
nome para mim mesmo. Achei over.
Perdeu a graça quando me viste. Faltava o rosto imaginado.
Deste as costas e eu lá estava, imagem configurada pelo teu espelho.
É uma pena seres minha amiga. Poderíamos exercer o vale tudo
da luta livre.
Vão rir de ti, não revide. Há mais
graça na planta que imaginas florir do que na falsa armadura da razão e seus
convites
Manténs distância lendo poesia. É um
truque do teu não, lisinha.
Se
perguntarem quem és, diga: solidão. Não vão acreditar, estrela do mar.
Fui rei para te fazer a vontade.
Depois abdiquei, quando viraste voluntária na colheita do trigo.
Venci a guerra mas não ocupei o
trono. Fiquei contigo, desvio de um exército.
Diga ai que eu fico. Não resisto ao
teu capricho.
Lembre da beleza quando eu for
embora.Peguei emprestado de tuas asas.
Aguardas, soberana, que eu me
desperdice. Depois me acolhe, aos pedaços, em suas asas de espuma.
Meu poema reza no crepúsculo.
- Sou muito perigoso, disse ele.
- Morres de medo de ti mesmo? disse ela.
- Morres de medo de ti mesmo? disse ela.