21 de janeiro de 2012

AMOR E LIBERDADE EM JANE EYRE


Nei Duclós

Criada em prisões - como a casa adotiva onde foi rejeitada, o orfanato onde foi espancada, a situação social subalterna da qual era impossível escapar, os castelos ermos onde não via praticamente ninguém – Jane Eyre contava apenas com o sentimento, sua bússola para uma vida honrada e em direção à liberdade. No maravilhoso filme dirigido pelo estreante Cary Fukunaga, que extrapola em competência técnica e de direção de atores, Jane é interpretada por Mia Wasikowska, conhecida por seu papel em Alice in Wonderland. Seu grande amor, o nobre Fairfaix Rochester, pelo alemão Michael Fassbinder. Ambos detonam, com o roteiro e os diálogos extraídos da novela de Chartlote Brontée e adaptados pela excelente dramaturgia de Moira Buffini.

O filme é uma história de isolamento e névoa, de corações secos e crueldade, de estratificação social pesada. Jane Eyre trafega por esse mundo sinistro sem nenhuma defesa, a não ser sua concentração no que realmente sente e no seu preparo e inteligência. A órfã de família nobre que desce na escala social virando professora de filhos de camponeses e acaba mais tarde como herdeira de uma fortuna, jamais se deixa levar pelas aparências e procura, no meio da neblina, da fumaça dos incêndios, da chuva, da neve e do vento, a clareza que precisa para continuar viva. Acaba encontrando o amor da sua vida por meio do diálogo com seu patrão, que a pressiona de todas as formas, num jogo intenso de gato e rato que acaba em paixão eterna.

O amor leva à liberdade. É o parâmetro para recusar a humilhação imposta pela classe social, o casamento arranjado, a relação passageira, o impulso do desejo e todas as armadilhas que sempre desgraçam uma pobre moça no século 19. Charlote Brontée dispõe do gênio narrativo, pois consegue costurar uma história que tinha tudo para ser um drama comum num épico da dignidade humana, focada na criatura mais apropriada para passar pelo teste: a jovem mulher só e pobre, que se sustenta graças ao seu conhecimento e dedicação e que, ao encontrar o amor, descobre que ali está a fonte não apenas do prazer de sentir viva, mas de continuar viva, já que a secura do coração, onde está atolada a nobreza e o povo, é a morte certa.

O apuro do cenário, todo ele fundado na luz e composição de grandes pintores, lembrando muito a técnica de Vermeer e focando na crueza e hostilidade da paisagem como representação da vida interna dos personagens, faz do filme uma flor de arrebatamento. Mas sem a intensidade das falsidades amorosas ou a superficialidade. Na magnífica interpretação da equipe – minimalista, sussurrada - destaca-se, além do casal principal, a antológica Judi Dench, como a governanta do castelo onde Jane é tutora de uma pré-adolescente protegida pelo nobre. Judi é a referência do mundo estável com o qual Jane precisa lidar e se conformar. É a ligação entre o coração da protagonista e seu alvo.

O gesto voluntarioso que liberta a personagem da sua prisão, gerada por uma desilusão amorosa, é revertido mais tarde pela força de atração do amor eterno, que a leva de volta ao coração da pessoa amada. A extrema emoção, intensidade e concentração do filme conseguiram me abalar bastante. Não posso mais ver filmes como Jane Eyre. Posso morrer no final.

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