18 de outubro de 2011

O ADEUS DO HUMOR CLÁSSICO


Nei Duclós

Fica feio cair na tentação do moralismo se formos comparar o humor clássico de José Vasconcelos, que morreu no dia 11 de outubro, aos 85 anos, com o do jovem Rafinha Bastos, que caiu em desgraça depois de uma sucessão de baixarias, culminando com a piada de maus gosto sobre mulher grávida dita ao vivo na televisão. Fica feio porque José Vasconcelos, que dominou a cena humorística nacional nos anos 50 e 60 com seu grande show Eu Sou o Espetáculo, não tem nada de naif, ingênuo ou de comportamento correto. Ao contrário. Sua graça é exatamente a transgressão, como prova seu deboche em O Locutor Gago, sob todos os aspectos um momento antológico da cultura pátria, em que ele imagina um narrador esportivo prejudicado na fala, como se diz hoje.

Fosse hoje, Vasconcelos não teria chances de mostrar essa sua performance, que arrancou urros de risadas de imensas platéias quando estava no auge. Aliás, era triste ver, ultimamente, o veterano humorista se apresentar em alguns programas de TV, onde era sempre bem recebido e homenageado, mas com aquela falsidade que coloca as pessoas no passado e de lá ninguém tira. Mas o que deve ser destacado é que o humor de Vasconcelos é uma arte em sua plenitude, cultivada no rádio, onde um só profissional podia fazer todas as vozes conhecidas, já que o mundo era uma soma de falas e não tanto de imagens, que estavam confinadas ao cinema e ainda engatinhavam na TV em preto e branco.

Ao contrário de Rafinha Bastos, que representa a má vontade dos egos inflados com o mundo em ruínas que o cerca, Vasconcelos era o auge de uma arte de grande importância no Brasil, a chamada anedota. O artista múltiplo transcendia a mera piada de salão ou escabrosa, pois sua obra foi capaz de mergulhar no espírito da época e fazê-la ascender. Chorávamos de rir com suas grandes e geniais cenas como a conhecida imitação de Ari Barroso, furioso com um calouro, o Sr. Chiado, que foi cantar um “sambinha”, exatamente a obra-prima Aquarela do Brasil.

Toda vez que vinha a piada reproduzida na rádio e nos sistemas de som das lojas de discos (já que seu show virou um LP de grande sucesso) todos riam como se escutassem pela a primeira vez. “Para burro só faltam as penas, Sr. Chiado. Mas burro não tem pena. Então não falta nada”. Hoje parece batido, como realmente foi, mas na época, no fragor do tempo presente, era um estrondo. Como as autoridades, os grandes artistas, atores de teatro e cinema, se manifestavam por suas vozes, mais do que por suas estampas, José Vaconcellos deitava e rolava sobre o mundo conhecido. Cada brasileiro era um contador de anedotas e não faltavam, nas rodas, as atrações do humorista maior.

Não queremos que Rafinha se comporte, mas que seja de fato engraçado. Tem gente que gosta, mas estamos longe de uma unanimidade nacional, como o grande artista que se foi e levou junto o tempo em que, impossível negar, éramos bem mais felizes. Tempo do Brasil soberano, de uma nação ainda inteira, e não repartida como hoje, em pedaços que não fazem mais sentido.


RETORNO - 1.Imagem de hoje: José Vasconcelos, no auge. 2. Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana.

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