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27 de agosto de 2011
VENDA NÃO É ESPAÇO DOMÉSTICO
Tanto trabalhei em jornalismo de negócios que virei consultor espontâneo, desses que deitam falação em balcão de subúrbio, à falta de um curso sistematizado que poderia garantir uns trocados para viagens. Sou escutado com tolerância, pois abuso de minha condição de cliente e só pago depois de soltar umas dizidas, uma covardia nem sempre bem sucedida. Hoje por exemplo é um dia que minha porção empreendedor se manifesta. Pois tenho contato com equívocos comuns que afastam clientes e o resultado está na vista: portinhas que fecham, idéias que acabam em dívidas. O motivo é simples e não é falta de sorte: é que se costuma levar para a empresinha todos os vícios domésticos. Bato sempre nessa tecla.
É natural que seja assim. Tradicionalmente, a venda no Brasil era uma extensão da casa. Ou melhor: a moradia ficava exatamente no negócio. Isso parece não ter mudado, está impregnado no imaginário e acaba prevalecendo nos hábitos, apesar de toneladas de conselhos em contrário. Onde falha o convencimento? Nos nós atávicos, herdados e na interação com o ambiente anti-empreendedorismo que ainda vivemos, já que os tributos, a corrupção, a falsa fiscalização, a concorrência predatória, o olho gordo e o roubo puro e simples assolam as atividades profissionais por conta própria. É mais seguro refugiar-se num salário de empresa consolidada e não arriscar prestar serviços de cabeleireiro para pets da vizinhança, já que sempre se corre o risco de ficar na mira de algum marginal que precisa de liquidez para o crack.
Mas como despesas não tiram férias e é preciso sobreviver de alguma forma, estamos rodeados de padarias, lojinhas de roupas, casas de embalagens, emporiozinhos coloniais, postos de gasolina, balcões de xerox, tendas de feiras, queijarias, 1,99, açougues, caldo de cana, lava carros, ferragens e por aí vai. Há muita prosperidade, apesar dos empecilhos, mas há também marcação de passo, já que somos um povo fiel às origens, e não abrimos mão não só de hábitos, mas até de biotipos. É engraçado chegar aos 62 anos no Brasil, como eu, e notar que todos os modelos físicos de adultos – do sujeito de bigodinho fino à matrona retaca – são bem mais jovens do que eu. É porque não mudamos nunca, mesmo usando jeans meia canela (a mais execrável moda de todos os tempos) ou jogging em shopping.
Mas quais são os vícios domésticos que assolam as pequenas empresas? Primeiro, a desconfiança com o cliente. Em vez de participar de um esquema eficiente de segurança e flagrar ou impedir a ação de ladrões, os donos de biroscas adoram achar que cliente é quem rouba. É como se o cliente fosse um invasor do espaço privado e estivesse ali só para se aproveitar. O objetivo de um negócio é o lucro e isso só se consegue desatando os nós do relacionamento com os clientes. Se você olha meio de viés para quem chega, não terá muito futuro. Mas existem outros vícios.
Conversar animadamente entre si no balcão, no caixa e deixar a freguesia dependurada num atendimento que nunca se desata. A pessoa que vai comprar quer ser valorizada, pois deixará uma coisa rara ali, o dinheiro conseguido com esforço. Se a empresa que presta o serviço ou vende o produto não dá a mínima, então o cliente se ressente. Em farmácias, a empurroterapia faz parte dessa indiferença: o que vale é fazer do freguês gato e sapato, apenas uma fonte de arrecadação de recursos e não uma pessoa que saia satisfeita do seu negócio e assim possa garantir, pela fidelidade da volta, o lucro almejado.
Uma coisa insuportável é achar que a birosca é núcleo de catequese. Colocar som alto de igreja na hora do pagamento, torcer a cara para quem compra cigarro, dar toques sobre obesidade na frente de fregueses acima do peso, receitar gatorade no lugar de soro doméstico para mães preocupadas, tudo isso faz mal à saúde da empresa. São coisas que noto diariamente. Não que onde moro só exista esse tipo de tratamento. Há muita gentileza e boa vontade e muito esforço heróico dos empreendedores. Mas noto que em muitos lugares onde já morei erram ao desligar a energia à noite para economizar e assim deixar os lacticínios rançosos. Ou apagam as luzes de dia, o que torna o negócio um ambiente soturno.
Abertura de crédito, sob medida, para clientes especiais, faz parte do jogo. Nem sempre a freguesia está com liquidez disponível e as compras precisam ser feitas. Cartão de crédito, com seus juros exorbitantes e caça aos inadimplentes, além de cheques, um instrumento sem credibilidade nenhuma, abrem a guarda novamente para a velha caderneta. Isso sim é uma tradição que deve ser conservada,mas de maneira criteriosa, pois há risco mesmo de levar um chapéu.
O que faz um poeta envolvido com esses assuntos? Tudo é linguagem e a ação empresarial, por menor que seja, formata um discurso. Precisamos interferir nele para mudar algumas coisas. É no que acredito.
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