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12 de março de 2011
A CATEDRAL DE CADA UM
Nei Duclós
Cada pessoa constrói uma abóboda virtual onde trafega, exposta para a observação alheia ou recolhida em si mesma. Gostávamos da igrejinha da bossa nova, do uísque do Vinícius e das conversas do Tom. Vivíamos encantados com a secura e o mau humor de Drummond de Andrade, pois a cada momento poderia surgiu um jardim, brotar uma rosa na sua poesia avessa. Quisemos um dia morar no texto de Saint-Exupery e viramos fiéis dos assombros de Borges. Seguimos os passos de Carpentier e Conrad tomando notas. Fizemos parte da roda de Simões Lopes Neto e Guimarães Rosa. Mas esses exemplos são raros. O que temos é uma overdose de ofertas na indústria do espetáculo ou fora dela, que circulam em personalidades toscas.
O mais notório desperdício de tempo é ficar prestando atenção nos diversos pseudogênios que tentam tomar o lugar dos grandes mestres. Temos sobrando Goethes, Gabos e Nerudas, mas nenhuma migalha de gente mesmo, de sua precariedade não vaidosa, a legítima, que encara a humanidade manifesta em si e nos outros com desprendimento, sem querer fazer disso literatice ou auto-ajuda. Recebo e-mail ou visito páginas de pessoas previsíveis, com suas sugestões de filmes, livros, frases e artes, suas notícias sempre grudadas em algum objetivo ideológico. O aparelhamento do imaginário talvez seja a grande tragédia atual, quando tudo tem a ver com a mesquinharia de mundinhos. Pior são essas celebridades que vendem caro seus selinhos e rebolados.
Não dá para confiar em quem vem com conversa sobre algum evento ou acontecimento se essa pessoa está cem por cento alinhada com determinada corrente política. Tudo o que fizer ou disser se reporta sempre ao mesmo núcleo. É como drogado, só pensa naquilo, por mais que você tente desviar a atenção para outras paragens. A pessoa sorri complacente, espera você acabar e retoma a conversa onde parou: “Então...”, diz, se servindo de algum produto que fixa a percepção no seu foco indevassável. Pode ser qualquer coisa: sexo, crack, tucano-petismo-emedebosta, aquecimento global etc. Há droga para tudo.
Somos reféns da nossa catequese. Queremos fazer a cabeça dos infiéis. No fundo, exercemos uma guerra santa contra os que nos contrariam. Já sabemos o que todos pensam, o que cada jornal dirá, cada personalidade fará. Já traçamos o mapa desse rolo. Qual a saída? Entregar-se ao poder da surpresa. Principalmente as que são oferecidas por pessoas aparentemente sem importância, os que não possuem capital simbólico, aqueles que você enquadrou há décadas e não tiveram mais nenhuma chance de mostrar o que existe fora dessa gaveta. Amor aos contemporâneos e rigor aos malfeitores: acredito quem seja esse o rumo.
Também temos nossas catedrais pessoais e elas incomodam muita gente. Vasculhar a abóboda em busca de predadores, abrir janelas inacessíveis, reforçar os tons desmaiados de nossos sonhos: há muito o que fazer nos templos, religiosos ou não, da nossa vida imersa em pensamentos e pulsações.
RETORNO - Imagem desta edição: bela foto da catedral de Santana, de Uruguaiana. Tirei do orkut. Não lembro mais a autoria da foto. Se souberem, me digam.
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