21 de maio de 2010

SOBRE SOBERANIA


Nei Duclós

Não existe nada mais típico da Inglaterra do que a rainha. Elizabeth descende da casa alemã de Saxe-Coburgo-Gota. Isso não a torna alemã. Ela não exige que a chamem de freulein nem canta Deutschland Uber Alles. Ao contrário, ela fala cuspindo em sotaque nasal inglês e desafia a moda com os horrores do seu guarda-roupa porque não está nem aí, é a Rainha da Inglaterra! Seu filho, o príncipe Charles, não é visto comendo salsichão e chucrutz ou tomando chope em Hamburgo. Ao contrário, ele capricha no sotaque londrino e usa saiote escocês

Não existe nada mais misturado do que a raça alemã, cruza de raças não arianas, segundo o testemunho insuspeito de Frederich Nietzsche. Isso quer dizer que não existe pureza de raça mesmo que irmão case com irmã e todos se pareçam com o mesmo cabelo amarelo e o olho azul, num parentesco eugênico que acaba em atrofia. Se uma família alemã veio morar no Brasil há 200 anos e seus descendentes de muitas gerações aqui vivam, isso não significa que sejam alemães. São brasileiros. Alguns até exibem o nariz achatado dos botocudos. Duvido que sintam saudades de Berlim, lugar onde jamais viveram.

Não existe nada mais indígena do que a canoa usada pelos pescadores da ilha de Santa Catarina. Muito antes dos açorianos chegarem aqui os índios pescavam tainha de forma artesanal e ensinaram tudo aos Colonizadores. Portanto, não acreditem que tudo é açoriano. Só porque algumas ilhas do arquipélago dos Açores são habitadas por pessoas de cabelo ruivo ou loiro, por obra de um acordo com os holandeses, descobridores do arquipélago que não levaram a posse porque abriram a boca em Lisboa antes de tomarem providências, não significa que todos os que saíram de lá sejam caucasianos. Esconder a origem indígena parece ser uma vergonha nacional. Principalmente quando vemos tantos nichos étnicos sendo celebrados enquanto a maioria da população exibe a marca do cruzamento com índio e negro. Parece que o Brasil está escondido em algum lugar fora do universo.

Tudo o que é bom no Brasil é atribuído aos estrangeiros. Não se reconhece a árdua construção de um país, a ferro e fogo, com muita luta. Tudo parece ter sido recebido de graça. As únicas conquistas seriam dos colonos vindos da Europa, jamais dos verdadeiros construtores do país, os mulatos, os guaranis, os tupis, os carijós, os caboclos, os africanos. Canso de ver tanto orgulho provocado pelo chamado sangue, quando sabemos que raça não é mais um conceito aceito pela comunidade científica e que os povos e nações são regidos pela História, a vivência, o comportamento, as atividades e nunca pelo tipo de sangue ou a cor da pele. O pior é que esse tipo de equívoco está servindo de veste para alguns estados, guindados ao status de Primeiro Mundo. Precisamos nos insurgir contra a retaliação do país.

E, pior, enquanto incensam os costumes e a cultura dos adventícios, aproveitam para carnavalizar a cultura brasileira, como se aqui fosse um reduto de prostituição e pouca vergonha, quando sabemos que isso é exclusivo do regime que nos governa e jamais da nação construída ao longo de séculos. Assim, quando disserem que você é russo ou polonês, apesar de ter nascido em Cascavel e tenha pais, avós e tataravós brasileiros; ou mesmo que tenha pai italiano; ou mesmo que você tenha nascido na Itália mas aqui vive sua vida todo o tempo

Acredite: você é apenas brasileiro, desse colosso de ouro que se destaca nos mapa. Nossa grandeza não vem apenas da vastidão do território, fruto do suor de nossos ancestrais. Também não vem das patriotadas, os exageros que serviram para Encher de má vontade a vocação legítima do patriotismo. Não vem pelo fato de muitos imigrantes aqui aportarem com olhos oblíquos ou maçãs salientes ou pelo modo de andarmos pelas ruas do país. Nossa grandeza não vem da quantidade de gente que mora aqui ou dos títulos no futebol. Nossa grandeza vem da coragem como nos comportamos diante das ameaças, da força que descobrimos no fundo do poço, na chama que acendemos no breu mais espesso. Vem daí a grandeza da Pátria.

Que chamamos Pátria porque assim foi nos ensinado pelos avós. Que chamamos Brasil porque assim ficou acordado há muito tempo.Que tem uma bandeira porque foi hasteada em praças e batalhas. Que tem a glória de uma identidade porque assim quisemos. Que resiste apesar de tanta traição. Que sobrevive porque precisamos. Porque o Brasil não deve ser vir para nada mesmo, nem para abastecer O mundo de grãos ou minérios. Não deve ser o brinquedinho do mundo onde estadistas metidos a besta passam a mão. O Brasil serve para os brasileiros. Sejam baianos, paulistas, gaúchos, pernambucanos ou mineiros. O Brasil é o que temos e ninguém nos toma porque jamais permitiremos

E se você achar engraçado o que digo, inútil ou simplesmente expressão de vaidades; se você achar que não temos mais nada a fazer do que falar de nação. Se você acha que não tem mais jeito e devemos entregar tudo O que sobrou porque assim será melhor; se você acha que nunca merecemos essas praias, essas matas, esses montes, planícies, planaltos, serras e rios E as gentes por todo o canto a bater perna pelos pontos cardeais

Então recite este poema. Não custa nada, apenas alguns minutos. Diga em forma de oração, como antigamente, quando inauguramos na terra hostil a semeadura da esperança, a indústria da permanência, a cultura da abundância. Reze pelo país que existe dentro de ti, como um canhão guardado por uma sentinela Ainda de prontidão, mas com o olhar tomado pela doçura que jamais foge de nós.

RETORNO - Imagem desta edição: pórticos da cidade de Uruguaiana. F ronteira é a paz na diferença.

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