18 de maio de 2010

CALIGRAFIA


Nei Duclós (*)

Escrever sem ajuda do teclado é uma arte que foi reduzida à assinatura do nome – com o perigo de sumir por completo por obra das senhas. Mas um dia foi matéria obrigatória no Primário. Cadernos caprichados com extensos exercícios modelavam as letras, desenhadas como se fossem pórticos barrocos. Era um instrumento para aquela vida tomada pelos cadernos, relatórios, cartas, tudo feito só com a força dos dedos e o apoio dos punhos.

Passar a limpo era uma das atividades mais nobres. Primeiro, fazia-se o rascunho (parece que algo sobreviveu hoje nas redações para os vestibulares), normalmente a lápis. Depois, passava-se a caneta por cima e a borracha para apagar os rastros da grafite. Pode parecer estranho que a palavra grafite apareça assim no selecionado dos assuntos mais candentes. Imperador seria mais plausível, lembra as velhas ilustrações sobre Roma nos livros do ginásio. Mas houve época em que vivíamos desbastando a madeira dos lápis para afinar a grafite, de onde saíam os rabiscos da nossa febril vida estudantil.

É que a datilografia, ocupação paralela assumida apenas por secretárias, ainda não tinha tomado o poder. Existiam (talvez ainda existam) escolas que ensinavam a batucar nas pretinhas, como se falava nas antigas redações. Era preciso aprender a usar todos os dedos para não catar milho, considerado o horror da técnica profissional do bem escrever. Cheguei a freqüentar algumas aulas, mas acabei me aprimorando na convocação unilateral de poucos craques, que sempre acertam as letras, e aos quais já estou acostumado.

Prefiro ficar com o Indicador e o Pai de Todos e deixar de lado o Anular e o Mindinho, tidos como portentos por todas as platéias. Não me deixo levar pela opinião dos especialistas, que insistem com outras opções. Se eu fosse atender todas as ponderações e exigências, não escreveria mais nada. Teria até de ficar restrito ao Polegar, desde que esse emergisse subitamente com algum talento no campeonato das frases e textos.

Acho que estou preparado para grandes certames, usando os jogadores que me deram tantas alegrias. O que me constrange é ler o que dizem. Se eu vencer, será pura sorte, pois não convoquei as maravilhas apontadas por todos. E se eu perder, que desapareça e nunca mais tente sequer teclar um convite de aniversário, pois ficará provado que não nasci para isso.

RETORNO - Crônica publicada nesta terça-feira, dia 18 de maio de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: tirei daqui.

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