4 de maio de 2010

LUGAR CERTO


Nei Duclós (*)

Há elementos de crônica na reportagem que reivindica o perfil de “humana”. É quando o início do texto tenta seduzir o leitor para o conforto de uma situação reconhecível, preparando-o para algo mais intenso a seguir. Na economia, especialistas gostam de citar um trecho literário, com perfil de crônica, para dourar a pílula amarga de um tema como juros. E na política, o elemento pontual, típico dos cronistas, usado na abertura de um discurso, é um antídoto para a desatenção da platéia.

Como todos se servem dela, é inevitável que a crônica também se sinta no direito de trafegar por outros gêneros. Como cair na tentação do mini-ensaio literário, da resenha de filmes ou do artigo de fundo, quando ao espaço dado compete apenas a presença desse gênero tão consolidado, mas assim mesmo tão propenso a equívocos.

A verdade é que existem limites bem definidos para a crônica, apesar dos recursos emergentes como o hipertexto ou as bossas da pós modernidade, à vontade nas desconstruções de vanguarda. Fugir desses parâmetros pode até dar melhores resultados, mas acaba caindo na vala comum dos “escritos”, se for cometido o erro de aspirar ao mesmo status daquilo que se tenta superar. Felizmente, a desmoralização dos conceitos, que pegou fundo no imaginário geral e pretende causar impactos passageiros com sacadas espertas, nada pode contra a crônica.

Ela é fácil de conceituar. É tudo (ou quase tudo) aquilo o que Rubem Braga fez e pertence a uma linhagem costurada por Machado de Assis e Olavo Bilac nas respectivas militâncias na imprensa, incrementada por presenças poderosas, como a de Carlos Drummond de Andrade. Os mestres ensinam, é bom que se diga nesta época de ilusão, quando se acredita que a sabedoria brota como cogumelo do ventre das tecnologias.

Esse vício medra na febre de palavras recorrentes, como “ferramentas”. Como se o mundo virtual, por não fazer barulho, adotasse o perfil de uma serralheria. Pois não há martelo soft, maçarico de bytes nem torquês de laser que tire a crônica do seu lugar certo. Ela começa suave e termina num sopro. Quando se entrega a bobagens, permanece fiel até o fim. Não cria armadilhas para tomar o poder. Isso ela deixa para a poesia e o romance, que gostam de tambores e clarins. Prefere alimentar os pombos, num outono qualquer, lá onde deveria haver uma praça.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 4 de maio de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.2. Imagem desta edição: holandeses fazem a maior fuzarca no 30 de abril, Dia da Rainha. Uma crônica de Daniel Duclós abordando a participação dele e da esposa Carla nesta gande festa nacional da Holanda.

Nenhum comentário:

Postar um comentário