18 de agosto de 2006

DUELO DO OLHAR EM STALINGRADO




O duelo em Enemy at the Gates (Círculo de fogo, 2001), de Jean-Jacques Annaud, é entre dois olhares, duas percepções: a do atirador que vira herói em plena batalha de Stalingrado (Jude Law, perfeito), e o major alemão, professor de tiro e aristocrata, que veio para caçá-lo (Ed Harris, soberbo). Como mostra o filme no início, quando o menino dos Urais é treinado pelo avô para caçar lobos, o importante é atrair a presa e não ir atrás dela. Aguardar o momento certo, quando o inimigo se descobre, revela sua posição. Esse é o momento do tiro.

Melhor filme de guerra deste século, a obra de Annaud (O nome da Rosa) se fundamenta na alternância entre dois enquadramentos: o Close, que é entre dois adversários, peritos no ofício de matar à distância; e o Plano Geral, em que as batalhas são mostradas em movimento (quando aviões metralham barcaças, soldados apavorados avançam sobre as ruínas) ou em forma de pintura, inspirada na cena monumental de E O Vento Levou, quando a câmara se afasta e mostra Scarlett O´Hara no miolo do horror, entre centenas de mortos e feridos.

Annaud faz o movimento inverso: parte do plural para o singular. A cena nasce no mural de sangue e mergulha na cena íntima, onde conta a compaixão, o pânico, o desprendimento, a tesão, a esperança. Ele se aproxima do humano diante da morte, escudado por esplêndidos atores: Jude Law, como o atirador soviético Vasily Zaitsev; Bob Hoskins, como Kruschev, Joseph Fiennes, como o propagandista (diriamos hoje marketing) Danilov; Rachel Weisz, como a voluntária Tania Chernova; e o garoto Gabriel Thomson como Sasha.

Ed Harris, ao chegar ao set de filmagem, garantiu que aquele seria um bom filme: seus olhos azuis profundos, que deslumbram a câmara ao captar a frieza e a objetividade do caçador, fizeram os produtores respirar aliviados. O filme estava salvo, o recado (o duelo do olhar) poderia ser dado. Ed Harris não joga papel fora, faz tudo de maneira intensa. Está entre os maiores atores contemporâneos. No outro lado, está Jude Law, que já mostrara sua força em O Talentoso Ripley. E Rachel Weisz, magnífica, faz da mulher em combate um símbolo e uma advertência: já passou da hora de mostrar mais mulheres em campo de batalha, atirando e não chorando. Lutaram a vida toda, o tempo todo. A História apenas confirma. Basta o cinema ir atrás.

Diretor francês, personagens principais interpretados por atores britânicos, filmagens na Alemanha: eis um super-espetáculo que foge do enquadramento americano e nos brinda com o heroísmo russo na cidade que não poderia ser tomada, sob pena de decidir a guerra a favor dos nazistas. É sabido que os russos decidiram a paradae que os americanos mentem deslavadamente quando abordam esse assunto. Se mentem até sobre o Vietnam, que aconteceu nas nossas fuças, quando vimos os gringos se atirando nos helicópteros para fugir, imaginem o que não fazem com coisas acontecidas há décadas, ou mesmo...ontem.

A participação do Brasil Soberano na luta é uma página de heroísmo ainda não enfocada pelo cinema. Mas vem aí um trabalho que já está no ponto para ser filmado. Aguardem.

RETORNO - Na foto maior, o atirador soviético, interpretado por Jude Law, no momento crucial do filme, quando está diante do seu principal inimigo. Na foto menor, o inimigo nazista, interpretado por Ed Harris.

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